Estou lendo uma das grandes obras de Graciliano Ramos, “São Bernardo”. No capítulo 7 me deparei com uma descrição de um personagem bastante interessante. Seu Ribeiro. 70 anos, que se acha infeliz, mas que havia sido moço e muito feliz...
“No
povoado onde morava, homens e mulheres o respeitavam, a ponto de “tirarem o
chapéu” quando o avistavam, o chamavam de Major. Quando os moradores do
lugarejo recebiam cartas, procuravam seu Ribeiro para ler, já que não possuíam essa
“ciência”. Sua esposa rezava o terço e contava histórias para crianças. Como
não havia soldados no lugar, nem juiz, nem promotor, seu Ribeiro era quem
resolvia toda parada.
Se
alguma moça começasse a chorar e confessasse que estava pejada, seu Ribeiro
descobria o sedutor, chamava o padre e fazia o casamento na capela do “arruado”.
Quando o rebento nascia, seu Ribeiro era o padrinho.
Se
dois vizinhos brigavam por terra, ele estudava o caso e com sua autoridade, traçava
as fronteiras e solucionava a questão. Todos acreditavam na sabedoria do “major”,
contudo, ele não era inocente. Decorava leis, artigos, lia jornais à luz da
candeia de azeite, queimava as pestanas sobre livros e vez por outra aprendia
uma palavra nova. Os outros homens da vila sim, eram inocentes.
Se
aparecia alguém morto a cacete ou faca, ele fazia o papel do investigador de
polícia, localizava o assassino, amarrava e o conduzia até a cadeia da cidade.
No nosso dizer nordestino, as palavras do “major” era como prego batido e ponta
virada.
Nas
noites de São João, uma fogueira enorme iluminava a casa de seu Ribeiro. Havia outras
fogueiras, mas a de seu “major” era o destaque da vila porque tinha muitas
carradas de lenha. Moças e rapazes andavam ao redor dela de braços dados,
assava-se milho verde, e vez por outra ouviam-se tiros medonhos do bacamarte de
seu Ribeiro, que só era usado nesse período junino.
Mas
as coisas mudaram para seu Ribeiro. O arruado tornou-se vila, a vila em cidade,
com prefeito, juiz, promotor, delegado. A capelinha, antes visitada uma vez ao
mês pelo vigário foi demolida e em seu lugar foi construída uma grande igreja.
Chegou médico. Escolas, professoras. Gente nasceu, gente morreu. Advogado abriu
escritório e com tudo isso, a sabedoria de seu Ribeiro encolheu.
Com
a chegada dos médicos, as pessoas não precisavam mais da reza de sua mulher,
nem acreditavam mais em santos. Ela se entristeceu, emagreceu e “fez sua última
viagem”.
Os
carros de bois deixaram de chiar nos caminhos estreitos e agora o que se vê são
automóveis a gasolina. Nas noites de São João, as moças e rapazes não dançam
mais de braços dados. Dançam agora tango. Seu ribeiro vendeu a casa, que achava
grande e comprou outra menor, procurou os filhos, um casal, que foi embora porque
achava o lugar atrasado. Ele também foi embora para a capital, tornou-se
bicheiro, dormia em bancos dos jardins, vendia bilhetes de loterias e vez por
outra pedia dinheiro aos amigos...”
Pois
bem, caro leitor, como se vê, a vida desse personagem, criado pelo velho Graça
(Graciliano Ramos) em muito se assemelha a de tanta gente, na correria dos
grandes centros e até mesmo nas cidades interioranas. O progresso não pede
passagem, nem autorização para promover grandes transformações. E elas as vezes são necessárias. Muda tudo. Costumes,
profissões, paisagens, e as vezes, dependendo da idade, o homem se sente fora
do ninho.
No
caso se seu Ribeiro, de “major”, passou a vendedor de bilhetes, tendo os bancos
das praças como “camarinha”, seus amigos sumiram na estrada da vida, seus
filhos também, mas, forçosamente ele continuou lutando pela sobrevivência, como
milhares de nossos irmãos nesse “mundão de meu Deus...”.
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