sexta-feira, 8 de março de 2013

“SEU GRAÇA, SEU RIBEIRO E AS MARCAS DO PROGRESSO”



       
   Estou lendo uma das grandes obras de Graciliano Ramos, “São Bernardo”. No capítulo 7 me deparei com uma descrição de um personagem bastante interessante. Seu Ribeiro. 70 anos, que se acha infeliz, mas que havia sido moço e muito feliz... 

   “No povoado onde morava, homens e mulheres o respeitavam, a ponto de “tirarem o chapéu” quando o avistavam, o chamavam de Major. Quando os moradores do lugarejo recebiam cartas, procuravam seu Ribeiro para ler, já que não possuíam essa “ciência”. Sua esposa rezava o terço e contava histórias para crianças. Como não havia soldados no lugar, nem juiz, nem promotor, seu Ribeiro era quem resolvia toda parada.
      Se alguma moça começasse a chorar e confessasse que estava pejada, seu Ribeiro descobria o sedutor, chamava o padre e fazia o casamento na capela do “arruado”. Quando o rebento nascia, seu Ribeiro era o padrinho. 

       Se dois vizinhos brigavam por terra, ele estudava o caso e com sua autoridade, traçava as fronteiras e solucionava a questão. Todos acreditavam na sabedoria do “major”, contudo, ele não era inocente. Decorava leis, artigos, lia jornais à luz da candeia de azeite, queimava as pestanas sobre livros e vez por outra aprendia uma palavra nova. Os outros homens da vila sim, eram inocentes. 

       Se aparecia alguém morto a cacete ou faca, ele fazia o papel do investigador de polícia, localizava o assassino, amarrava e o conduzia até a cadeia da cidade. No nosso dizer nordestino, as palavras do “major” era como prego batido e ponta virada. 

      Nas noites de São João, uma fogueira enorme iluminava a casa de seu Ribeiro. Havia outras fogueiras, mas a de seu “major” era o destaque da vila porque tinha muitas carradas de lenha. Moças e rapazes andavam ao redor dela de braços dados, assava-se milho verde, e vez por outra ouviam-se tiros medonhos do bacamarte de seu Ribeiro, que só era usado nesse período junino.
    Mas as coisas mudaram para seu Ribeiro. O arruado tornou-se vila, a vila em cidade, com prefeito, juiz, promotor, delegado. A capelinha, antes visitada uma vez ao mês pelo vigário foi demolida e em seu lugar foi construída uma grande igreja. Chegou médico. Escolas, professoras. Gente nasceu, gente morreu. Advogado abriu escritório e com tudo isso, a sabedoria de seu Ribeiro encolheu. 

      Com a chegada dos médicos, as pessoas não precisavam mais da reza de sua mulher, nem acreditavam mais em santos. Ela se entristeceu, emagreceu e “fez sua última viagem”.

        Os carros de bois deixaram de chiar nos caminhos estreitos e agora o que se vê são automóveis a gasolina. Nas noites de São João, as moças e rapazes não dançam mais de braços dados. Dançam agora tango. Seu ribeiro vendeu a casa, que achava grande e comprou outra menor, procurou os filhos, um casal, que foi embora porque achava o lugar atrasado. Ele também foi embora para a capital, tornou-se bicheiro, dormia em bancos dos jardins, vendia bilhetes de loterias e vez por outra pedia dinheiro aos amigos...”

         Pois bem, caro leitor, como se vê, a vida desse personagem, criado pelo velho Graça (Graciliano Ramos) em muito se assemelha a de tanta gente, na correria dos grandes centros e até mesmo nas cidades interioranas. O progresso não pede passagem, nem autorização para promover grandes transformações. E elas as vezes são necessárias. Muda tudo. Costumes, profissões, paisagens, e as vezes, dependendo da idade, o homem se sente fora do ninho. 

         No caso se seu Ribeiro, de “major”, passou a vendedor de bilhetes, tendo os bancos das praças como “camarinha”, seus amigos sumiram na estrada da vida, seus filhos também, mas, forçosamente ele continuou lutando pela sobrevivência, como milhares de nossos irmãos nesse “mundão de meu Deus...”.   

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