“NÃO VERÁS PAÍS NENHUM” é o título do livro que acabei de ler hoje de manhã.
De autoria do Ignácio de Loyola Lopes Brandão, que é um contista, romancista,
jornalista brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras, o qual possui uma
vasta produção literária, tendo sido traduzido para diversas línguas.
Trata-se
de uma distopia (significa lugar ou estado imaginário em que se vive em condições
de extrema opressão, desespero ou privação; diferente de uma utopia, que é um
lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos).
Apesar
de escrito e lançado nos anos 80 é um livro atual, pela semelhança com os dias de
hoje. É como se o escritor se transformasse num profeta, descrevendo como seria
o Brasil atualmente.
A
obra já vendeu mais de um milhão de cópias só no Brasil e conta a saga de Souza,
um professor de história e sua esposa Adelaide. O enredo é de um Brasil seco,
quente como o deserto do Saara; sem água, sem árvores e dividido em guetos. Existem
os bairros dos ricos, dos pobres, dos paupérrimos e até dos corruptos. (Mera
semelhança?).
Os
carros, de tantos, ficam presos nas ruas, sem ter como trafegar. O que o
personagem Souza pensava que ia acontecer num futuro bem distante, começa acontecer
rapidamente em seus dias.
O
país é vendido às multinacionais; a maioria das pessoas mora em acampamentos
paupérrimos, com mau cheiro de urina por todos os lugares, em virtude da falta
de água. Existe um lugar para onde são conduzidos os rebeldes (lembrando o período
da ditadura militar).
Para
entrar e sair de qualquer bairro é necessário ter uma “senha”, tipo cartão, sem
o qual ninguém pode se locomover.
Á água utilizada pelas pessoas, tanto
para beber, quanto para as demais necessidades, além de escassa, é feita de
urina, que é reciclada e transformada, sendo servida à população em pequenas
quantidades, sob a recomendação de economizar o máximo possível.
Para
escrever a obra “Brandão” leu diversos livros sobre clima, hidrografia,
poluição, etc. e estudou sobre o assunto, segundo mesmo confessou em entrevista,
na qual disse também que tem o hábito de escrever ouvindo músicas clássicas.
Em
grande parte do livro a leitura se torna tão angustiante e desoladora que leva
leitor a desejar chegar ao final do enredo para ver se aquela narrativa muda de
realidade tão seca e arrasadora, no entanto, sua narrativa é tão realística que
prende o leitor em cada página.
Em
determinado trecho do livro fala sobre a devastação da natureza, tanto da Amazônia
quanto das demais florestas, o que causa profunda alteração no clima, principalmente
levando o sol a queimar igual brasa viva.
Narrativa
marcante é quando resolvem derrubar a última árvore do país. Outra passagem
marcante é quando o protagonista do enredo, o professor Souza, se lembra quando
era criança e viu a derrubada de uma árvore na floresta. Vejamos o enredo:
“Certa vez, estava no mato, olhando os machados
arrancarem das árvores lascas brancas, vermelhas. Aquele enorme V ia surgindo
ao pé do tronco, até a árvore desabar. Meu pai me instalou num tronco recém-cortado,
cheio de anéis. Meu avô contou os anéis, um a um e me disse: - Essa tinha
trezentos anos. Oitenta metros. Foi dura de cair. (...) quando vi a primeira
árvore cair, meu pai estava ao meu lado. O barulho foi tão horrível que nem a
presença dele impediu o meu susto. Chorei. Agora penso: Teria sido pena? Não,
seria racionalizar o sentimento de uma criança.
Me lembro até hoje o horror que foi a árvore tombando. (...) um gigante
desprotegido, os pés cortados, solto de repente, desabando num ruído imenso. Choro,
lamento, ódio, socorro, desespero, desamparo. Ao tombar, tive a impressão de
que ela procurava se amparar nas outras. Se apoiar em arbustos frágeis, que se
ofereciam impotentes (...)”.
Outra
narrativa que chama atenção do leitor a construção de uma enorme marquise,
visando proteger a população do sol que a cada dia esquenta a cidade. Para lá são
levadas as pessoas que ficam “amontoadas” feito “bicho”, com pouquíssima água e
alimento, sem espaço para se locomover. O mau cheiro de urina, vômitos e fezes,
pessoas há vários dias sem tomar banho, pequenos furtos e desentendimentos tornam
a leitura chocante com cenas de
arrepiar.
Assassinatos
misteriosos e mortos sendo conduzidos aos montes pelos caminhões do governo também fazem parte do cenário, conduzindo o
leitor a um futuro terrivelmente assombroso.
O
governo procura de alguma forma solucionar os problemas criando programas
sociais, mas esses projetos não conseguem resolver o problema, apenas amenizar.
A
obra que acabei de ler foi publicada pela editora “Círculo do Livro’ em 1982, conta
com 330 páginas e é um alerta sobre o futuro da humanidade.
Leitura essencial que vale a pena,por isso muito recomendada.
Abaixo alguns trechos do livro:
“De que adianta saber que dia é hoje? As horas sim,
são importantes. O dia é bem dividido. Cada hora uma coisa certa. Melhor viver
um dia só, sem fim. O que tiver de acontecer, é dentro dele”. (página 13).
“Quando o dia se acabava, a esperança
nascia outra vez dentro de nós. Aguardávamos os instantes que faziam o dia
seguinte repleto-vazio” (Página 14).
Os noticiários são inócuos. Novelas,
inaugurações, planos do governo, promessas de ministros. Como acreditar nestes ministros,
a maioria centenários? Quase perpétuos, remanescentes da fabulosa Época da
Grande Locupletação. (Página 20).
“A partir de hoje – e ele sorriu, embevecido – contamos
também com um deserto maravilhoso, centenas de vezes maior que o Saara, mais belo.
Magnificente. Estamos comunicando ao mundo a nona maravilha. Breve, a imprensa
mostrará as planícies amarelas, dumas, o curioso leito seco dos rios”. (Página 54)
“Cachorro, eu odiava. Nunca fui com esse
bicho. Ojeriza, não sei por quê, nunca me fez nada. Talvez eu não goste de quem
vive lambendo os outros, correndo atrás servilmente”. (Página 59).
“Havia gente preocupada. Associações por
toda parte. Grupos que defendiam os rios, organizações contra a proliferação de
hidroelétricas desatinadas, os heroicos combatentes contra o Reator de Angra...”
(Página 94).
“A medida que a
mata caia os animais se afastavam dos homens e do barulho, se concentravam numa
região, ali ficavam, como que à espera. Todos reunidos, solitários. Como que
sabendo”. (Página 124).