segunda-feira, 12 de outubro de 2020

NÃO VERÁS PAÍS NENHUM - NOVA DICA DE LEITURA

 

“NÃO VERÁS PAÍS NENHUM” é o título do livro que acabei de ler hoje de manhã. De autoria do Ignácio de Loyola Lopes Brandão, que é um contista, romancista, jornalista brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras, o qual possui uma vasta produção literária, tendo sido traduzido para diversas línguas.

          Trata-se de uma distopia (significa lugar ou estado imaginário em que se vive em condições de extrema opressão, desespero ou privação; diferente de uma utopia, que é um lugar ou estado ideal, de completa felicidade e harmonia entre os indivíduos).

          Apesar de escrito e lançado nos anos 80 é um livro atual, pela semelhança com os dias de hoje. É como se o escritor se transformasse num profeta, descrevendo como seria o Brasil atualmente.

          A obra já vendeu mais de um milhão de cópias só no Brasil e conta a saga de Souza, um professor de história e sua esposa Adelaide. O enredo é de um Brasil seco, quente como o deserto do Saara; sem água, sem árvores e dividido em guetos. Existem os bairros dos ricos, dos pobres, dos paupérrimos e até dos corruptos. (Mera semelhança?).

        Os carros, de tantos, ficam presos nas ruas, sem ter como trafegar. O que o personagem Souza pensava que ia acontecer num futuro bem distante, começa acontecer rapidamente em seus dias.

          O país é vendido às multinacionais; a maioria das pessoas mora em acampamentos paupérrimos, com mau cheiro de urina por todos os lugares, em virtude da falta de água. Existe um lugar para onde são conduzidos os rebeldes (lembrando o período da ditadura militar).

          Para entrar e sair de qualquer bairro é necessário ter uma “senha”, tipo cartão, sem o qual ninguém pode se locomover.

           Á água utilizada pelas pessoas, tanto para beber, quanto para as demais necessidades, além de escassa, é feita de urina, que é reciclada e transformada, sendo servida à população em pequenas quantidades, sob a recomendação de economizar o máximo possível.

          Para escrever a obra “Brandão” leu diversos livros sobre clima, hidrografia, poluição, etc. e estudou sobre o assunto, segundo mesmo confessou em entrevista, na qual disse também que tem o hábito de escrever ouvindo músicas clássicas.

            Em grande parte do livro a leitura se torna tão angustiante e desoladora que leva leitor a desejar chegar ao final do enredo para ver se aquela narrativa muda de realidade tão seca e arrasadora, no entanto, sua narrativa é tão realística que prende o leitor em cada página.  

          Em determinado trecho do livro fala sobre a devastação da natureza, tanto da Amazônia quanto das demais florestas, o que causa profunda alteração no clima, principalmente levando o sol a queimar igual brasa viva.

          Narrativa marcante é quando resolvem derrubar a última árvore do país. Outra passagem marcante é quando o protagonista do enredo, o professor Souza, se lembra quando era criança e viu a derrubada de uma árvore na floresta. Vejamos o enredo:

 “Certa vez, estava no mato, olhando os machados arrancarem das árvores lascas brancas, vermelhas. Aquele enorme V ia surgindo ao pé do tronco, até a árvore desabar. Meu pai me instalou num tronco recém-cortado, cheio de anéis. Meu avô contou os anéis, um a um e me disse: - Essa tinha trezentos anos. Oitenta metros. Foi dura de cair. (...) quando vi a primeira árvore cair, meu pai estava ao meu lado. O barulho foi tão horrível que nem a presença dele impediu o meu susto. Chorei. Agora penso: Teria sido pena? Não, seria racionalizar o sentimento  de uma criança. Me lembro até hoje o horror que foi a árvore tombando. (...) um gigante desprotegido, os pés cortados, solto de repente, desabando num ruído imenso. Choro, lamento, ódio, socorro, desespero, desamparo. Ao tombar, tive a impressão de que ela procurava se amparar nas outras. Se apoiar em arbustos frágeis, que se ofereciam impotentes (...)”.

          Outra narrativa que chama atenção do leitor a construção de uma enorme marquise, visando proteger a população do sol que a cada dia esquenta a cidade. Para lá são levadas as pessoas que ficam “amontoadas” feito “bicho”, com pouquíssima água e alimento, sem espaço para se locomover. O mau cheiro de urina, vômitos e fezes, pessoas há vários dias sem tomar banho, pequenos furtos e desentendimentos tornam a leitura  chocante com cenas de arrepiar.  

           Assassinatos misteriosos e mortos sendo conduzidos aos montes pelos caminhões do governo  também fazem parte do cenário, conduzindo o leitor a um futuro terrivelmente assombroso.

          O governo procura de alguma forma solucionar os problemas criando programas sociais, mas esses projetos não conseguem resolver o problema, apenas amenizar.

         A obra que acabei de ler foi publicada pela editora “Círculo do Livro’ em 1982, conta com 330 páginas e é um alerta sobre o futuro da humanidade.

           Leitura essencial que vale a pena,por isso muito recomendada. 

 

 

Abaixo alguns trechos do livro:  

“De que adianta saber que dia é hoje? As horas sim, são importantes. O dia é bem dividido. Cada hora uma coisa certa. Melhor viver um dia só, sem fim. O que tiver de acontecer, é dentro dele”. (página 13).

“Quando o dia se acabava, a esperança nascia outra vez dentro de nós. Aguardávamos os instantes que faziam o dia seguinte repleto-vazio” (Página 14).

Os noticiários são inócuos. Novelas, inaugurações, planos do governo, promessas de ministros. Como acreditar nestes ministros, a maioria centenários? Quase perpétuos, remanescentes da fabulosa Época da Grande Locupletação. (Página 20).

“A partir de hoje – e ele sorriu, embevecido – contamos também com um deserto maravilhoso, centenas de vezes maior que o Saara, mais belo. Magnificente. Estamos comunicando ao mundo a nona maravilha. Breve, a imprensa mostrará as planícies amarelas, dumas, o curioso leito seco dos rios”.  (Página 54)

“Cachorro, eu odiava. Nunca fui com esse bicho. Ojeriza, não sei por quê, nunca me fez nada. Talvez eu não goste de quem vive lambendo os outros, correndo atrás servilmente”. (Página 59).

“Havia gente preocupada. Associações por toda parte. Grupos que defendiam os rios, organizações contra a proliferação de hidroelétricas desatinadas, os heroicos combatentes contra o Reator de Angra...” (Página 94).

“A medida que a mata caia os animais se afastavam dos homens e do barulho, se concentravam numa região, ali ficavam, como que à espera. Todos reunidos, solitários. Como que sabendo”. (Página 124).