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A Propósito de minha postagem de ontem, me senti incomodado, no sentido
de mostrar ao público a crônica do Escritor Rubem Braga, intitulada Carta ao
Prefeito. Apesar de escrita em junho de 1951, pelo conteúdo e a realidade que
aquele Estado vive, parece que a carta foi redigida exatamente hoje. Pelo que
percebemos, os problemas do Estado do Rio de Janeiro são antigos, os mesmos,
apenas de repetem. Daí a importância dos escritores, poetas, cantores,
jornalistas, atores e artistas em geral, pois, cada um, a seu modo, mostram ao
mundo os fatos reais de um povo, uma cidade ou uma nação, para que a população
possa conferir as promessas cumpridas e principalmente as “descumpridas”, que
infelizmente são maioria. Confiram o texto de Rubem Braga e concluam se mudou
alguma coisa no Estado analisado que é o Rio de Janeiro, o que não difere da
maioria dos municípios do nosso país. Só lembrando que na época o Rio de
Janeiro era a capital federal do país, só mudando para Brasília no dia 21 de
abril de 1960. Eis a missiva:
Sei também que não me resta nenhum direito terreno; respiro o ar dos escapamentos abertos e me banho até no Leblon, considerado um dos mais lindos esgotos do mundo; aspiro o perfume da curva do Mourisco e a brisa da Lagoa e – sobrevivo. E compreendo que, embora vós administreis à maneira suíça, nós continuaremos a viver à maneira carioca.
Rubem
Braga (1913-1990) foi um escritor e jornalista brasileiro. Tornou-se famoso
como cronista de jornais e revistas de grande circulação no país. Nasceu em
Cachoeiro do Itapemirim (ES) e faleceu no dia 19 de dezembro de 1990, vítima de
um câncer na laringe. Suas crônicas foram reunidas e publicadas em diversos
livros. Alguns deles: “O Conde e o Passarinho” 1936, “O Morro do Isolamento”
(1944), “Ai de Ti Copacabana” (1960, “A Traição de Elegantes (1967). “As Boas
Coisas da Vida” (1988), dentre outros.
CARTA
AO PREFEITO – CRÔNICA DE RUBEM BRAGA
“Senhor Prefeito do
Distrito Federal:
Eu
sou um desses estranhos animais que têm por habitat o Rio de Janeiro; ouvi-me,
pois, com o devido respeito. Sou um monstro de resistência e um técnico em sobrevivência
– pois o carioca é, antes de tudo, um forte. Se às vezes saio do Rio por algum
tempo para descansar de seus perigos e desconfortos (certa vez inventei até ser
correspondente de guerra, para ter um pouco de paz) a verdade é que sempre
volto. Acostumei-me, assim, a viver perigosamente. Não sou covarde como esses
equilibristas estrangeiros que passeiam sobre fios entre os edifícios. Vejo-os
lá em cima, longe, dos ônibus e lotações, atravessando a rua pelos ares e
murmuro: eu quero ver é no chão.
Também
não sou assustado como esse senhor deputado Tenório Cavalcanti, que mora em
Caxias e vive armado; moro bem no paralelo 38, entre Ipanema e Copacabana, e às
vezes, nas caladas da noite, percorro desarmado várias boates desta zona e
permaneço horas dentro da penumbra entre cadeiras que esvoaçam e garrafas que
se partem docemente na cabeça dos fiéis em torno. E estou vivo.
Ainda
hoje tenho coragem bastante para tomar um ônibus ou mesmo um lotação e ir
dentro dele até o centro da cidade. Vivo assim, dia a dia, noite a noite, isto
que os historiadores do futuro, estupefatos, chamarão a Batalha do Rio de
Janeiro. Já fiz mesmo várias viagens na Central. Eu sou um bravo, senhor.
Sei também que não me resta nenhum direito terreno; respiro o ar dos escapamentos abertos e me banho até no Leblon, considerado um dos mais lindos esgotos do mundo; aspiro o perfume da curva do Mourisco e a brisa da Lagoa e – sobrevivo. E compreendo que, embora vós administreis à maneira suíça, nós continuaremos a viver à maneira carioca.
Eu
é que não me queixo; já me aconteceu escapar de morrer entro de um táxi em uma
tarde de inundação e ter o consolo de, chegando em casa, encontrar a torneira
perfeitamente seca.
Prometestes,
senhor, acabar em 30 dias com as inundações no Rio de Janeiro; todo o povo é
testemunha desta promessa e de seu cumprimento: é que atacaste, senhor, o mal
pela raiz, que são as chuvas. Parou de chover, medida excelente e digna de
encômios.
Mas
não é para dizer isso que vos escrevo. É para agradecer a providência que vossa
administração tomou nestas últimas quatro noites, instalando uma esplêndida lua
cheia em Copacabana. Não sei se a fizestes adquirir na Suíça para nosso uso
permanente, ou se é nacional. Talvez só possamos obter uma lua cheia definitiva
reformando a Constituição e libertando Vargas.
Mas
a verdade é que o luar sobre as ondas me consolou o peito. E eu andava muito
precisado. Obrigado, Senhor.
Rubem
Braga – Rio, junho de 1951”