domingo, 27 de janeiro de 2019

DICA DE LEITURA: A HORA E A VEZ DE AUGUSTO MATRAGA, O ÚLTIMO CONTO DO LIVRO SAGARANA


               
        
        Concluí esta semana a leitura da obra SARARANA, de um dos melhores escritores da literatura brasileira. Conforme já comentei em postagem recente,  o livro original foi publicado no ano de 1946, aliás, antes disso teve uma primeira versão que foi intitulada apenas de “Contos”, que foi inscrita no concurso literário Humberto de Campos, da Livraria José Olympio. Nesse concurso, o autor usou o pseudônimo de Viator.  Originalmente a obra era composta de 12 contos, no entanto, para ser publicada, o autor resolveu resumir para apenas 09. 

           O título Sagarana é um neologismo, fenômeno linguístico muito usado nas obras de Guimarães. Trata-se da junção de duas palavras: “Saga” com “rana”, de origem tupi, que significa “semelhante com” , concluindo assim que Sagarana é semelhante a uma saga.

         A obra é composta, como dito, com 9 contos: 1-O Burrinho Pedrês, 2- A volta do marido pródigo, 3-Sarapalha, 4-Duelo, 5-Minha gente, 6-São Marcos, 7-Corpo fechado, 8-Conversa de bois e  9-A hora e a vez de Augusto Matraga. 

         Como já comentei  sobre outros contos em postagens recentes, destacarei na de agora  justamente sobre o último, "A hora e a vez de Augusto Matraga” sobre o qual  teço breves comentários, para despertar nos leitores o desejo de conhecer - e ler a obra. Lembro inicialmente que trata-se de um livro que está muito presente na lista obrigatória dos vestibulares, a exemplo da Unicamp, Fuvest e Faculdade Cásper Líbero.

       O conto narra a estória de Augusto Esteves, também conhecido como Augusto Matraga e ainda “Nhô Augusto”, um homem rico, fanfarrão, arruaceiro, mulherengo, conhecido e temido na região por ser filho do coronel Afonsão e por sempre andar acompanhado e protegido por capangas. O genitor de Augusto era falecido, mas deixou o filho como principal herdeiro e representante. Nhô Augusto é casado com D. Dionóra, uma mulher bonita, e tem uma filha Mimita, que não recebe a mínima atenção do pai. 

           Em certa ocasião está acontecendo naquela pequena cidade mineira, uma festa religiosa, as novenas do padroeiro e, conforme o costume da época acontecem os leilões. Só que o leilão daquela noite não era de um garrote ou de um carneiro, mas de duas jovens prostitutas.  Chega o momento de ser leiloada a Sariema, jovem branca, pescoço fino, pernas finas e sem atrativo físico algum,  por quem um capiau era apaixonado. Depois de alguns lances, Nhô Augusto oferece o maior de todos: Cinquenta mil réis, e leva a rapariga; não por pretender viver com ela ou ao menos ter um relacionamento sexual, mas tão somente para “manter a pose” de mandão do lugar. 

          Mais adiante do enredo Nhô Augusto se vê entrando em crise financeira, inclusive deixando de pagar os seus capangas, que o abandonam e vão prestar serviços a outro fazendeiro. Sua esposa D. Dionora, depois de muita humilhação resolve fugir com outro homem, o Ovídio Moura, de quem gostava e leva consigo a filha Mimita. Ao saber da notícia, Nhô Augusto decide que vai matar o amante e sua ex-companheira. Vai procurar seus capangas, e, para sua surpresa, descobre que todos eles foram embora, prestar serviços a outro rico fazendeiro, o Major Consilva. Decide procurar seus “ex-empregados”  para tentar trazê-los de volta. Acontece que o novo patrão dar ordens para que batam no Augusto até a morte, o que de fato acontece, e, para mostrar que aquela região agora tem novo comando, a ordem é para que ferrem o Nhô Augusto, com o ferro de marcar gado. Quando isso acontece, em meio ao espancamento Augusto Matraga consegue se desvencilhar dos capangas e pula de um precipício, vindo a cair de lá e é dado como morto. 

          Acontece que um casal de negros (Quitéria e Serapião) encontra a vítima embaixo do “pé da serra” e cuida dele por um bom tempo até sua reabilitação. A acolhida dura cerca de seis anos, até que Augusto agradece pela ajuda e resolve ir embora para outro povoado. 

           Durante a estadia na casa dos dois roceiros que lhe deram acolhida, Augusto recebe a visita de um padre, que lhe dar muitos conselhos, inclusive para mudar de vida, visando encontrar “o caminho do céu”. A mensagem alcança o coração e alma de Augusto e a conversão acontece. Nesse novo povoado Augusto conhece um novo bando de valentões, chefiado por “Joãozinho Bem-Bem”, espécie de cangaceiro que andava na região metendo medo na população. Nhô Augusto, oferece apoio ao chefe do bando,  dando comida, água e dormida. Depois de um tempo o bando resolve ir embora da localidade, mas antes o Joãozinho Bem-Bem agradece pelo apoio e pergunta se Augusto tem algum inimigo que eles possam matar e ainda convida para fazer parte do bando, já que demonstrou ser uma pessoa destemida.  Como ele está passando por uma redenção recusa o convite, pois pretende ir morar no céu, “nem que seja a porrete” e fica sempre esperando sua vez a sua hora, sempre ajudando as pessoas e provando que de fato foi alcançado pela conversão.

           Depois de um bom tempo,  Augusto resolve sair daquele povoado em andanças pelos sítios e povoados da região e reencontra Joãozinho Bem-Bem num povoado chamado Rala Côco,  que está naquela região para vingar a morte de um dos seus capangas, que foi morto por um filho de um fazendeiro. Como o assassino foragiu o Joãozinho pretende se vingar matando um irmão daquele. É quando fala com o pai dizendo para ele escolher entre dois irmãos, para ser morto ou de bala ou de faca. Neste momento Augusto interfere e tenta impedir aquele crime e termina por enfrentar o Joãozinho Bem-Bem, que vem a ser morto por Augusto Matraga. Na luta, este também é ferido e termina por ver chegada a sua hora e a sua vez. O  conto termina com um novo Augusto, regenerado, convertido, transformado. O ódio que sentia pela ex-mulher, por ter o abandonado, não existia mais. A filha, para quem não dava a menor atenção, agora lhe vinha à memória. Era outro homem....

Daí, mais, olhou, procurando Joao Lomba, e disse, agora sussurrando, sumido:
- Põe a bênção na minha filha.... seja lá onde for que ela esteja.... E, Dionóra... fala com a Dionóra que está tudo em ordem!
Depois morreu:

         Não me aprofundo numa análise crítica textual, até porque não me sinto capacitado para isso, apenas faço uma breve análise do conto, para despertar interesse no leitor para conhecer a obra, já que essa é minha real intenção em publicar esta matéria. 

         O narrador do conto é um narrador externo que não participa da estória mas conhece todos os personagens e os fatos. A estória se passa no norte de Minas Gerais, tendo como base da narrativa o falar mineiro, linguagem coloquial, o caipira, mesclado com o português culto. Presença de duas constantes da vida no sertão: violência e misticismo. Também se faz presente o dualismo existente na alma humana: o bem e o mal, Deus e o diabo, salvação e perdição. Também é bastante perceptível no conto a presença de ambiguidades, representadas pelo mocinho e o bandido, a mulher honesta e a prostituta, o trabalhador e o aproveitador, etc.  Na minha visão é uma leitura de fácil compreensão e repleta de causos comuns nas cidades de interior do Brasil, o que torna a leitura aprazível.

          O conto em análise fez tanto sucesso diante do público e da  crítica, que se transformou em várias peças teatrais e filmes, merecendo destaque o filme lançado em 2015, dirigido por Vinícius Coimbra,  que contou a participação do ator João Miguel, no papel de Augusto Matraga,  José Wilker, interpretando Joãozinho Bem-Bem, José Dumont, como o Padre Zequiel, Chico Anysio no papel do Major Consilva e Vanessa Gerbelle, interpretando  Dionóra, dentre outros.     

                                                 Frases de destaque: 

“Dionóra amara-o três anos, dois anos dera-os às dúvidas e o suportara os demais. Agora, porém, tinha aparecido outro. Não, só de por aquilo na ideia já sentia medo.... por si e pela filha. ...Um medo imenso”.

“Mas, quem sabe se não era melhor me entregar à sina, com a proteção de Deus. Se não fosse pecado.... Fechar os olhos".

"- Dionóra, você vem comigo.... Ou eu saio sozinho por esse mundo e nunca mais você há de me ver!..."

"Mas Dona Dionóra foi tão pronta que ele mesmo se espantou."

"Esfriou o tempo, antes do anoitecer. As dores melhoraram. E aí, Nhô Augusto se lembrou da mulher e da filha. Sem raiva, sem sofrimento, mesmo, só com uma falta de ar enorme, sufocando".

"- Não faz assim, seu moço, não desespera. Reza que Deus endireita tudo... Pra tudo Deus dar um jeito!"

"- Reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, que as vezes custa muito a passar, mas sempre passa. E você ainda pode ter muito pedaço bom de alegria... Cada um tem a sua hora e a sua vez: Você há de ter a sua".

" - Eu vou pr’a o céu e vou mesmo, por bem ou por mal ! ... E a minha vez há de chegar... Pr’a o céu eu vou, nem que seja a porrete!...".

"Mas fugia às léguas de viola ou sanfona, ou de qualquer outra qualidade de música que escuma tristezas no coração".

"... Também não fumava mais, não bebia, não olhava mais o bom-parecer das mulheres, não falava junto em discussão. Só o que ele não podia era se lembrar da sua vergonha...."

“Oh coisa boa a gente andar solto, sem obrigação nenhuma e bem com Deus...
 
“Não me importo! Aonde o jegue quiser me levar, nos vamos, porque estamos indo é com Deus!”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário