Como estou em gozo de férias e gosto muito de ler, aproveitando esse
período comecei “degustar o livro SAGARANA, do saudoso escritor mineiro JOÃO
GUIMARÃES ROSA. O livro original foi lançado no ano de 1946, mas o que tenho em mãos foi publicado pela editora carioca
Record, no ano de 1984. É a primeira obra de Guimarães, em forma de livro, sendo composta de nove
contos. Inicialmente o autor escreveu doze, mas ao publicar resolveu resumir em
apenas nove, sendo o primeiro deles intitulado “O BURRINHO PEDRÊS”. É sobre esse conto, cuja leitura concluí
agora a pouco, que quero tecer um breve comentário.
Como
trabalho com Literatura de cordel, há muito tempo, me chamou a atenção, logo no
início desta obra, um pequeno poema, em quadra que diz: “Lá em cima daquela serra, passa boi
passa boiada, passa gente ruim e boa, passa
minha namorada”. Esse
poema telúrico me fez voltar ao tempo de
criança.
O
Burrinho Pedrês é uma estória boa de leitura de fácil compreensão, que se passa no interior de Minas Gerais, no meio
do século XX. Tem início como as estórias infantis: "Era uma vez um Burrinho Pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo...". Fala sobre um burro que
depois de passar por vários donos e receber muitos nomes, dentre eles:
Capricho, Chico Chato, Rolete, Sete-de-ouro, dentre outros. Está agora bem
velhinho, cansado e “se preparando para se aposentar”, na fazenda da Tampa, do conhecido
e próspero Major Saulo. De repente, o burrinho recebe a incumbência de fazer o
transporte de uma centena de bovinos para um povoado distante.
Os
vaqueiros da fazenda, cada um escolhe um bom cavalo, sobrando para o personagem
Badu, secretário do Major Saulo, apenas o burrinho “sete de ouros” também
chamado de Burrinho Pedrês, esquecido na fazenda, sendo escalado para ajudar no
transporte do gado. Durante o percurso da estrada, descobre-se que existe uma
rixa entre dois empregados da fazenda (vaqueiros) Silvino e Badu, que disputam
o namoro de uma moça, cujo nome não é relevado no conto. Em meio às bebedeiras
do caminho, descobre-se que o vaqueiro Silvino pretende matar Badu, chegando,
inclusive a espantar alguns bois, na tentativa destes atropelarem o seu rival.
Como não consegue desta feita, se prepara parar dar cabo a vida do seu
“companheiro” pessoalmente, quando a viagem de volta. O ajudante de obras
chamado Francolim descobre a trama e leva ao conhecimento do patrão, que nada
faz para evitar o crime.
No
decorrer a viagem, a travessia do “Córrego da fome”, na ida estava em baixa,
porém, quando retornam o rio está cheio, por causa das chuvas. Badu está
embriagado , motivo pelo qual os outros vaqueiros o abandonam com o burrinho
Sete-de-Ouros”. Acontece que, ao atravessarem o rio todos os vaqueiros e
cavalos são mortos nas águas, inclusive o Silvino, justamente aquele que
pretendia assassinar o Badu, enquanto este é salvo de forma heroica montado à
sela do burrinho, conseguindo chegar a outra margem do rio. Outro personagem
que conseguiu se salvar foi o vaqueiro Francolim, que mesmo embriagado,
conseguiu segurar no rabo do animal e atravessar o ribeirão.
A
descrição do texto é tão realística, apesar de tratar-se de um conto, que o
leitor, em alguns momento, se encontra
no meio dos tangerinos, sentindo o cheiro da terra e ouvindo o mugir do gado.
O
autor usa também alguns neologismos e aforismos para melhor expressar o enredo
e a fala dos seus personagens. Destaco abaixo algumas frases que entendi
merecer destaques:
“Quem é visto é lembrado”; “Quem vai na frente
bebe água limpa”; “Joá com flor formosa
não garante terra boa”; “Quem tem inimigo não dorme”; “Galinha tem de muita, mas todo ovo é branco”; “É
andando que cachorro acha osso”.
O burrinho do conto representa, de
forma metafórica a velhice do homem, que depois de trabalhar, produzir e contribuir
com o progresso de sua nação (ou dos seus patrões), é esquecido em algum lugar.
Muitos o desprezam, apesar de rua riqueza de experiências. No conto, os cavalos
e seus vaqueiros jovens, não confiaram no “tato” do burrinho” que não quis
entrar de imediato na água, preferiram tomar a frente e morreram afogados,
enquanto o burrinho e seus “ocupantes”, um montado e outro segurando em seu
rabo, conseguiram chegar a salvo do outro lado do rio: “um burrinho experiente
sabe se orientar onde cavalos de boa montaria sucumbem”. No conto, os animais são tidos como heróis enquanto
a sabedoria humana é questionada.
Este foi apenas o primeiro conto do livro SAGARANA. Recomendo sua
leitura. Por enquanto é só. Vou consumir os demais contos. O próximo será “A
VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO”.
Tenham todos um bom
final de semana.
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