sábado, 5 de janeiro de 2019

DICA DE LEITURA - COMENTÁRIOS SOBRE “O BURRINHO PEDRÊS”, CONTO DE GUIMARÃES ROSA


                    Como estou em gozo de férias e gosto muito de ler, aproveitando esse período comecei “degustar o livro SAGARANA, do saudoso escritor mineiro JOÃO GUIMARÃES ROSA. O livro original foi lançado  no ano de 1946, mas o que tenho em mãos foi publicado pela editora carioca Record, no ano de 1984. É a primeira obra de Guimarães, em forma de livro, sendo composta de nove contos. Inicialmente o autor escreveu doze, mas ao publicar resolveu resumir em apenas nove, sendo o primeiro deles intitulado “O BURRINHO PEDRÊS”.  É sobre esse conto, cuja leitura concluí agora a pouco, que quero tecer um breve comentário.


                Como trabalho com Literatura de cordel, há muito tempo, me chamou a atenção, logo no início desta obra, um pequeno poema, em quadra que diz: “Lá em cima daquela serra, passa boi passa boiada, passa gente ruim e boa, passa  minha namorada”. Esse poema telúrico  me fez voltar ao tempo de criança. 


                O Burrinho Pedrês é uma estória boa de leitura de fácil compreensão, que se passa no interior de Minas Gerais, no meio do século XX.  Tem início  como as estórias infantis: "Era uma vez um Burrinho Pedrês, miúdo e resignado, vindo de Passa-Tempo...". Fala sobre um burro que depois de passar por vários donos e receber muitos  nomes, dentre eles: Capricho, Chico Chato, Rolete, Sete-de-ouro, dentre outros. Está agora bem velhinho, cansado e “se preparando para se aposentar”, na fazenda da Tampa, do conhecido e próspero Major Saulo. De repente, o burrinho recebe a incumbência de fazer o transporte de uma centena de bovinos para um povoado distante. 


                Os vaqueiros da fazenda, cada um escolhe um bom cavalo, sobrando para o personagem Badu, secretário do Major Saulo, apenas o burrinho “sete de ouros” também chamado de Burrinho Pedrês, esquecido na fazenda, sendo escalado para ajudar no transporte do gado. Durante o percurso da estrada, descobre-se que existe uma rixa entre dois empregados da fazenda (vaqueiros) Silvino e Badu, que disputam o namoro de uma moça, cujo nome não é relevado no conto. Em meio às bebedeiras do caminho, descobre-se que o vaqueiro Silvino pretende matar Badu, chegando, inclusive a espantar alguns bois, na tentativa destes atropelarem o seu rival. Como não consegue desta feita, se prepara parar dar cabo a vida do seu “companheiro” pessoalmente, quando a viagem de volta. O ajudante de obras chamado Francolim descobre a trama e leva ao conhecimento do patrão, que nada faz para evitar o crime. 


                No decorrer a viagem, a travessia do “Córrego da fome”, na ida estava em baixa, porém, quando retornam o rio está cheio, por causa das chuvas. Badu está embriagado , motivo pelo qual os outros vaqueiros o abandonam com o burrinho Sete-de-Ouros”. Acontece que, ao atravessarem o rio todos os vaqueiros e cavalos são mortos nas águas, inclusive o Silvino, justamente aquele que pretendia assassinar o Badu, enquanto este é salvo de forma heroica montado à sela do burrinho, conseguindo chegar a outra margem do rio. Outro personagem que conseguiu se salvar foi o vaqueiro Francolim, que mesmo embriagado, conseguiu segurar no rabo do animal e atravessar o ribeirão.  
           

                A descrição do texto é tão realística, apesar de tratar-se de um conto, que o leitor, em alguns momento,  se encontra no meio dos tangerinos, sentindo o cheiro da terra e ouvindo o mugir do gado. 


                O autor usa também alguns neologismos e aforismos para melhor expressar o enredo e a fala dos seus personagens. Destaco abaixo algumas frases que entendi merecer destaques:



Quem é visto é lembrado”;  “Quem vai na frente bebe água limpa”;  “Joá com flor formosa não garante terra boa”;  “Quem tem inimigo não dorme”;  “Galinha tem de muita, mas todo ovo é branco”; “É andando que cachorro acha osso”. 


               O burrinho do conto representa, de forma metafórica a velhice do homem, que depois de trabalhar, produzir e contribuir com o progresso de sua nação (ou dos seus patrões), é esquecido em algum lugar. Muitos o desprezam, apesar de rua riqueza de experiências. No conto, os cavalos e seus vaqueiros jovens, não confiaram no “tato” do burrinho” que não quis entrar de imediato na água, preferiram tomar a frente e morreram afogados, enquanto o burrinho e seus “ocupantes”, um montado e outro segurando em seu rabo, conseguiram chegar a salvo do outro lado do rio: “um burrinho experiente sabe se orientar onde cavalos de boa montaria sucumbem”.    No conto, os animais são tidos como heróis enquanto a sabedoria humana é questionada.


          Este foi apenas o primeiro conto do livro SAGARANA. Recomendo sua leitura. Por enquanto é só.  Vou consumir os demais contos. O próximo será “A VOLTA DO MARIDO PRÓDIGO”. 
             Tenham todos um bom final de semana.  

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