terça-feira, 8 de janeiro de 2019

MAIS UM CONTO DE JOÃO GUIMARÃES ROSA - SARAPALHA.


          
        Prosseguindo as dicas de leitura do livro SAGARANA, do escritor mineiro GUIMARÃES ROSA, que é composto de nove contos. Desta vez teço breves comentários sobre SARAPALHA que acabei de ler agora a tarde. 

            É um conto breve, narrado na terceira pessoa. O enredo se passa na pequena comunidade de Tapera do Arraial, na beira do rio Pará. “Poucas casas, sobradinho, capela, três vendinhas, o chalé e o cemitério” – essa é a descrição do lugarejo.  Com poucos personagens: os primos Ribeiro, marido de Luísa, e Argemiro que moram na mesma casa. Tem  também o cachorro Jiló e Ceição (a preta velha).

                 A malária (sezão) invade o povoado, causando muitas mortes e fazendo com que grande parte dos moradores abandonem o povoado: "a rua, sozinha e comprida, que agora nem mais é uma estrada, de tanto que o mato a entupiu (...)". "e o lugar já esteve no mapa antes da malária chegar". 

            Depois de causar muito medo, tristeza e morte, expulsando todos os habitantes do lugarejo, a malária prossegue alcançando suas vítimas. Os moradores fogem deixando tudo para trás. Apenas três teimam em permanecer no lugar, assim mesmo três quilômetros para cima. São eles: o Primo Ribeiro, o Primo Argemiro e Ceição (preta velha), que moram numa velha fazenda abandonada. 

            Em algumas trechos do conto, a doença, nos lembra a dengue, a chinkungunya e a Zica, já que os sintomas descritos são praticamente idênticos (febre, dor de cabeça, tremor, vômitos, etc).          
            Sendo primos e muito amigos, Ribeiro cuida de Argemiro como se irmãos fossem, mesmo possuindo um terreno nas proximidades prefere continuar morando com o primo, dada a amizade que os une. Ao contrair a doença, Argemiro foi abandonado pela esposa (Luísa - morena de olhos e cabelos pretos... muito bonita. De riso alegrinho, mas de olhar duro). Ela fugiu com um boiadeiro.

            Inicialmente alguns moradores pensaram: “quando passaram as chuvas, o rio – que não tem pressa e não tem margens, porque cresce num dia, mas leva mais de mês para minguar (...). Talvez que para o ano ela não volte, vá s’imbora. Ficou. Quem foi embora foram os moradores. Os primeiros para o cemitério, os outros por aí a fora por este mundo de Deus (...)”.

            O conto é permeado de pequenos diálogos entre os dois primos, Ribeiro e Argemiro, ambos acometidos da doença, sendo que a situação mais grave é a do Ribeiro. Em certo momento da narrativa, vendo a situação cada vez mais grave, o primo Ribeiro pede ao primo Argemiro: 

-Vou lhe pedir uma coisa. Você faz? 

- Vai dizendo, primo.

- Pois então, olha, quando for a minha hora, você não deixe me levarem p’ra o arraial.... Quero ir mais é p’ra o cemitério do povoado... Está desleixado, mas ainda é chão de Deus...”

            O primo Argemiro, de início se recusa a atender o pedido, alegando que: “O senhor ainda vai durar mais do que eu”; entretanto, depois de muita insistência, promete cumprir com aquele pedido. Acontece que, em determinado momento, o “cuidador” primo Argemiro, percebendo a situação do enfermo, que declarou “não querer mais remédio, pois de fato quer é apressar sua morte”. Acreditando que estava chegando a sua hora, depois de muitos agradecimentos pelo cuidado do primo, Argemiro  resolve fazer uma difícil confissão:  
 -Que foi primo? Fala logo de uma vez! Nesse momento vem a confissão de que ele Argemiro teve uma “paixãozinha” pela “Luisinha”. Só nunca teve coragem de confessar nem de tomar qualquer atitude, por respeito ao primo. O senhor me perdoa?: O doente se rebate na cama e indaga: 

- Você veio morar aqui com a gente, foi por causa dela. Foi? 

– Foi primo. Mas nunca.....  
 
     O primo Ribeiro, “de coração partido” sentindo-se como se tivesse sido picado de cobra, manda o primo Argemiro ir embora. Enquanto Jiló, o cachorro, acompanha Argemiro -  que anda meio trôpego, e olha para trás, para o primo Ribeiro,  como numa guerra de escolha com quem ficar. Finalmente, o animal decide ficar com Ribeiro, enquanto Argemiro no caminho relembra Luisinha, quando se casara com Ribeiro, estava linda. Contempla ao seu redor: “a erva-de-anum crispa as folhas, longas, como folhas de mangueira. Trepidam, sacudindo as suas estrelinhas alaranjadas, os ramos da vassourinha (...)”..

-Mas, meu Deus, como isto é bonito. Que lugar bonito pra gente deitar no chão e se acabar!... “

É um belo conto, que recomendo a todos apreciadores da boa literatura brasileira, especialmente mineira, que no meu entender, tem muitos traços conosco, nordestinos pernambucanos.


   




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