Sendo hoje o dia do leitor, não
poderia deixar de comentar neste site algumas considerações sobre mais um
capítulo do livro SAGARANA, do
grande escritor mineiro Guimarães Rosa, que estou lendo no momento. Trata-se do
segundo conto intitulado “A VOLTA DO
MARIDO PRÓDIGO”.
O conto tem início
falando de “um jumentinho que vem sozinho, puxando o carroção. Patas em marcha
matemática, andar consciencioso e macio. Ele chega de sobremão, pára, no lugar
justo onde tem que parar, e fecha imediatamente os olhos (...).
De
início, o leitor imagina o conto anterior do livro, que fala sobre o "burrinho
pedrês", entretanto, o burrinho deste novo conto não tem a ver com aquele animalzinho, a não ser a lição de que esse animal é profundamente trabalhador.
Na verdade é uma paródia do conhecido texto bíblico o filho pródigo. Na parábola
bíblica o filho pede a herança ao pai e vai para a cidade grande, onde gasta
tudo com festas, mulheres e “amigos”. Quando a grana se acaba o filho cai em si,
faz uma reflexão e, arrependido volta à casa
paterna, onde é recebido de braços abertos pelo pai que promove uma grande festa
para celebrar a volta do “filho perdido”.
No
conto de Guimarães, o que mais chama a atenção é o humor contido em toda
narrativa, tendo como personagem principal “o marido pródigo”, que tem o nome
de Lalino Salãthiel, popularmente conhecido como Laio, um sujeito malandro, simpático, mulato, contador de histórias,
falante e espertalhão. Outra característica desse personagem é que, diferentemente do jumentinho do início do conto, ele é avesso
ao trabalho. É daqueles
tipos que se possível “dar até nó em pingo d”água” para se safar de qualquer
situação. Marido de Maria Rita (Ritinha),
morena bela e sensual. Depois de seis meses de casado ele resolve ir embora
daquela pequena cidade, partindo para o Rio de Janeiro.
Sabendo
que Ramiro, um espanhol conhecido seu, tem simpatia por Ritinha e que é “bom de
dinheiro”, o procura para pedir emprestado dois mil contos de réis para o
auxiliar na viagem, avisando-lhe que está indo embora e abandonando a casa e mulher,
mas, pedindo que não contasse a ninguém aquela empreitada. Na verdade o povo da cidade comenta que: "Ele vendeu a mulher".
Ramiro,
mesmo dispondo daquela quantia, se nega a emprestá-la, no entanto oferece a
metade, que é aceita por Laio, que logo em seguida viaja para o Rio de Janeiro,
cidade que nunca havia colocado os pés, mas dizia a todos que conhecia.
Depois
de alguns meses no Rio de Janeiro, vivendo de folgas e festas, Lalino, resolve retornar
para sua terra natal. O problema é que quando ele chega na cidade, Ritinha, sua
mulher está vivendo na mesma casa, com o seu credor – o Ramiro (Espanhol). Espantado com a
visita, em breve conversa, este decide perdoar a dívida, continuando a viver com
Ritinha, enquanto Lalino deixa a moradia levando consigo apenas uns poucos pertences e um velho violão. Depois ele encontra outra saída para continuar suas malandragens.
Como é tempo de política, resolve ingressar nessa seara como cabo eleitoral do
chefe político Major Anacleto (homem de princípios austeros, intolerante e
difícil de se deixar enganar). Este,
incentivado por seu irmão Laudônio, convida Lalino para trabalhar nas eleições.
Acontece que era para comparecer no dia seguinte e o malandro só vai aparecer
três dias depois, e assim mesmo na parte da tarde, sendo de imediato recusado
pelo Major Anacleto, conhecedor do comportamento do Laio.
Laio
engana o Major Anacleto, dizendo que o atraso foi porque estava pesquisando na
região sobre a campanha do referido candidato. Termina sendo contratado para
trabalhar como “cabo eleitoral”. Acontece que o espanhol Ramiro, vê o Laio conversando
com o filho do candidato opositor e leva ao conhecimento do Major Anacleto, que
convoca Laio para mais uma conversa. Desta feita, o malandro sai pela tangente
informando que na verdade estava puxando conversa com o filho do opositor para colher
informações para trazer para o Major. Assim ele convence mais uma vez o chefe
político e continua trabalhando para ele.
Com
saudade de Ritinha, Laio pede ao amigo Oscar para falar com ela para saber se
ainda gosta dele. Acontece que o “amigo” ao saber que ela de fato ama o
Laio, inventa que ele vive fazendo serestas e farras com outras mulheres e que não
a merece. De quebra, ele ainda tenta dar um beijo em Ritinha que se recusa a tal "liberdade". De volta, Oscar informa a Laio que Ritinha não gosta mais dele e que ama o
espanhol Ramiro.
No
final do conto, de tanto usar de malandragens e enganações, Laio consegue permanecer
no trabalho, separar Ramiro de Ritinha, com a ajuda do chefe político Major Anacleto,
volta a viver com a mulher e ainda tem perdoada a sua dívida.
Diferentemente
da parábola bíblica, neste conto de Guimarães Rosa, o que se destaca é o
jeitinho e a malandragem para se dar bem em tudo que se faz. A
ironia é a marca do conto, recheado de passagens engraçadas e presentes em nosso dia a dia.
Li e
recomendo a todos que apreciam uma boa leitura dos grandes escritores
da literatura brasileira.
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