quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

O DUELO, MAIS UM CONTO DO LIVRO SAGARANA, DO MINEIRO GUIMARÃES ROSA.


  
           
         Trata-se de um conto narrado na terceira pessoa. Nos fala sobre “os imprevistos da vida”, acontecimentos que fogem do controle humano. Apesar do título nos lembrar os antigos filmes de  faroeste, na verdade o que vemos no conto é a luta entre o forte e o fraco. Surpresas também aprecem no contexto, nos remetendo ao fato de que nem tudo na vida acontece como programado. O ambiente do conto é rural, oeste de Minas Gerais e os personagens são bem delimitados (inclusive com o uso de apelidos, comuns nas cidades do interior), e caraterizados, de maneira a tornar a leitura de fácil compreensão. O humor também se faz presente na narrativa.  No conto, Guimarães Rosa demonstra ser um profundo conhecedor da vida e da alma humana.  O enredo se passa no ano de 1937, período em que começava o êxodo rural, principalmente para os grandes centros do sul do país.

              Feitas essas considerações iniciais, vamos ao enredo da obra, destacando em negrito os nomes dos personagens e em negrito e itálico pequenos trechos da obra: 

        Turibio Todo é um seleiro conhecido no pequeno  Arraial de Vista. Alegre, interior de Minas Gerais. Ele é casado com Dona Silivana, mulher bonita de olhos grandes e bonitos de cabra tonta. Num daqueles dias “azarados”, Turíbio resolve ir pescar, e, depois de pegar o anzol e o material necessário, avisa a mulher que só vai retornar no dia seguinte, e que vai dormir na casa do primo Lucrécio. Naquele dia de nhaca  o mar não estava pra peixe”, pois: “saíra cedo para pescar e faltara-lhe à beira do córrego o fumo-de-rolo, tendo em coice e queda, de sofrer com os mosquitos; dera uma topada num toco, danificando os artelhos do pé direito; perdeu o anzol grande, engastalhado na coivara, e, voltando para casa, vinha desconsolado, trazendo apenas dois timburés no cambão”. Para agravar mais a situação, resolve retornar para casa no mesmo dia (antes do combinado), sem avisar a esposa.  Para sua surpresa “veio encontrá-la em pleno (com perdão da palavra,  mas é verídica a narrativa), em pleno adultério, no mais doce, dado e descuidado, dos idílios fraudulentos. Felizmente que os culpados não o pressentiram. Turíbio Todo costumava chegar com um mínimo de turbulência: ouviu vozes e espiou por uma fisga da porta; a luz da lâmpada lá dentro o ajudando, viu. Mas não fez nada (se afastou mais macio ainda do que tinha chegado), e não nada fez porque o outro era o Cassiano Gomes ... 1º pelotão da 2ª companhia do 5º Batalhão da Infantaria da força pública, (...)_ que não se apartava de um parabelum ao alcance de mão... Era uma quarta-feira”. 

            Apesar de não haver tomado nenhuma iniciativa no momento do “flagrante adultério”, pois estava desarmado, no dia seguinte Turibio voltou para casa, fui gentilíssimo com a mulher, mandou pôr ferraduras novas no cavalo, limpou as armas, proveu de coisas a capanga, falou vagamente numa caçada de pacas, riu muito, se mexeu muito e foi dormir bem mais cedo do que de costume.
            No dia seguinte quinta-feira, pela manhã foi à casa do traidor Cassiano Gomes, procurando vingar-se da traição, tentando preparar uma tocaia.  Armado, viu-o à janela, dando costas para a rua, e disparou. Acontece que o tiro em vez de atingir a vítima desejada, na verdade fere e mata o seu irmão Levindo Gomes, acertando-o na nuca. “e correu para onde o cavalo o esperava na estaca, arreado, almoçado e descansadão”.
            Daí em diante, o conto passa a narrar a perseguição dos dois inimigos – um querendo matar o outro. Nas andanças pelos lugarejos, ambos trocam de cavalo várias vezes, na tentativa de encontrar um animal mais veloz, entretanto, durante toda a caçada, Cassiano e Turibio não chegam a se cruzar ao menos uma vez, pelos caminhos por eles percorridos.
Em Mosquito, um pequeno vilarejo, Cassiano para, precisando de descanso e ali conhece um garoto frágil e franzino, conhecido pelo apelido de vinte-e-um, mas cujo nome real é Antonio. O rapazote ainda tem outro apelido Timpim,, do qual não gosta. Curioso sobre a origem do apelido Cassiano, indaga:
 - Vinte e um!, Que graça!... mas, que é que é isso, de uma pessoa se chamar vinte e um?.  
- É outro apelido que eles me chamam. É  p’ra-mor-de, que nem a minha mãe teve vinte e um filhos, e eu fui o derradeiro... e por via disso eles botaram esse nome em mim.
            Engraçado é que quando o rapazote pára próximo de Cassiano, vem acompanhado de um irmão, com mais proporção física, o  qual vem dando-lhe pancadas, momento em que Cassiano interfere: - o siô! Chega aqui!.   Quem vem é o irmão do Timpim, mas Cassiano o escaramuçou: - Sai pra lá diabo” tú é valente demais. Tu é ferrabrás... Sai daqui, que o baralho ainda não bateu na rua porta (...).  Vinte e um se aproxima e Cassiano pergunta: -
- Porque você ficou quieto e não bateu nele também?

- Não vê que a minha mãe sempre falava p’ra eu não  levantar a mão  pr’a bater irmão mais velho... E como eles todos são de mais idade, por isso gostam de dar em mim.   
            Cassiano demora alguns meses no povoado, faz amizade com aquele povo simples e pensa encontrar alguém para “fazer o serviço”, mas todos ali são mui pacatos e sem ação... “não se alembravam de crimes sangrentos, não tinham mortes nas costas: - O senhor desculpe, mas, não vê que aqui ninguém não quer se desgraçar...
            O Timpim,  muito ganjento, exibia o seu rebento e, quando alguém lhe gabava tão formosa prole, ele pedia, ansioso, que acrescentassem: - Benza-o Deus! – para evitar quebranto”

            Mais adiante do conto, o filho de vinte e um adoece gravemente e ele pede socorro ao novo amigo Cassiano: - Já mandei buscar receita-de-informação, e, o resto do cobrinho que o senhor me deu, eu gastei tudo nas meizinhas de botica.(...).  Cassiano de pronto:
- Pois está aqui o dinheiro. Traz o doutor. Compra os remédios e tudo. Se precisar, ainda tem mais.
            Como Cassiano tinha problemas cardíacos, queria também se consultar com o médico, ainda pediu que o rapazote trouxesse também o padre, pois queria se confessar. 

            Timpim ficou tão agradecido que chorou muito forte, se ajoelhou aos pés do benfeitor, querendo pegar-lhe a mão para beijar e proferindo agradecimentos e bênçãos; queria beijar-lhe os pés, por entre uma montoeira de soluços, ao que Cassiano retrucou: - “não é nada. Bobagem.... “porque é melhor a gente ser bondoso do que ser malvado, puxou-o para si, num abraço, dizendo: - Maior paga do que essa não tem, meu compadre- Vinte- e-um”.
            Veio o médico; veio o padre. Cassiano confessou-se, comungou, recebeu os santos-óleos, rezou, rezou. Mandava o dinheiro para a mãe?.  Não. Mandou vir o Timpim, para nele rever a boa ação. Conversaram. Depois o moribundo disse:
-Esse dinheiro fica todo para você, meu compadre Vinte-e-um... Aí tomou uma cara feliz, falou na mãe, apertou nos dedos a medalhinha de Nossa Senhora das Dores, morreu e foi para o céu.

            Morto Cassiano, Turíbio Todo que estava no sul do país (São Paulo), soube da noticia através da mulher Silivânia , que agora, carinhosa, o invocava para o lar. Turíbio, Cansava-se a toa. Na parte da tarde inchava as pernas e os pés. Procurou o boticário que lhe deu vida até o mês de São João. Se piorasse morreria pelo natal. Diante dessa previsão, decidiu vender tudo que possuía “ele já tinha ganhado uns bons cobres”, e ir atrás de Turíbio, pois queria matá-lo, antes de morrer, para vingar-se da morte do seu irmão,


                Depois de comprar mala e vários presentes para a esposa, pôs um lenço no pescoço para disfarçar o papo, calçou botas vermelhas de ilustre e veio de trem. Para o percorrer o resto do caminho arranjou um cavalo emprestado, almoçou sem fome, e deu à andadura. Vinha pelas estradas com pressa, para reencontrar Dona Silivana, a mulher que tinha os olhos bonitos, sempre grandes, olhos de cobra tonta.

            Venceu a primeira légua, com alegria da liberdade larga – caia uma chuva fina enquanto o sol brilhava no horizonte (era o casamento da raposa ou de viúva). De repente, Turíbio Todo escuta o tropel de um galope destemperado que vinha atrás. Era um cavalinho ou uma égua, magro, pampa e apequenado, com um camarada meio-quilo de gente em cima. Via-se que tanto o animal quanto o seu cavaleiro estavam em petição de miséria. Mais adiante os dois se aproximam e iniciam um diálogo. Em determinado momento da conversa, o desafortunado homem pergunta se aquele senhor era o Turíbio Todo, seleiro de Vista-Alegre, que estava vindo das estranjas, pelo que recebe de imediato a confirmação. 

            A caminhada prossegue e a conversa também, e, mais adiante Turíbio Todo confessa que está muito alegre por está retornando a sua terra, para rever sua mulher, enquanto que o “pingo de gente”, contrariamente : - Qual, ser Turíbio todo... Com perdão da palavra, mas este mundo é um monte de estrume! Não vale a pena a gente ficar alegre...A gente vive sofrendo... Todo mundo é só padecer.... Não vale a pena... E depois a gente tem que morrer mesmo um dia...”.
            Subiram um morro e, desceram o morro; e o caminho entrou num mato fechado, onde tudo era silêncio e sombra. Caia uma chuvinha fina, quando o um dos cavalos parou:

- Seu Turíbio! Se apeie e reza, que agora eu vou lhe matar!
- Que é que é?... Tu está louco?
Mas o caguinxo estava sério e pálido, e sua mão direita segurança uma garrucha velha de dois canos, pararelos, sinistros.
-Se apeie depressa, seu Turíbio!....

            O homenzinho declara a Turíbio Todo que não adianta pedir clemência, pois o que vai fazer não tem outro jeito: “-Prometi ao meu compadre Cassiano, lá no Mosquito, na horinha mesma d’ele fechar os olhos..”

            Ao ouvir o nome do inimigo Turíbio ainda tenta se esquivar da morte, oferecendo o dobro do valor dado pelo seu inimigo, ou ainda tudo que tiver, mas o capiauzinho não aceita nenhuma proposta e, cumpre a promessa feita ao “compadre Cassiano” na hora dele !”fechar os olhos”.
... O cavalo correu,; o pé do defunto se soltou do estribo. O corpo prancheou, pronou, e ficou estatelado. Então, o caguinxo Timpim, Vinte-e-Um fez também o um nome do padre, e abriu os joelhos, esporeando. E o cavalinho pampa se meteu, de galope, por um trilho entre os itapicurus e os canudos-de-pito, fundo do estradão".

                                                                                                  
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Este é mais um conto da obra SAGARANA, que estou lendo atualmente, que recomendo a todos os leitores deste site. O conto DUELO foi adaptado em 1974  para o cinema, com direção de Paulo Thiago, tendo o ator Joel Barcelos interpretando o personagem Turíbio Todo, Ítala Nandi, no papel de Mariana (Silivana), e Milton Moraes, como Cassiano (um caçador de cangaceiros).

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