Trata-se de um conto narrado na terceira pessoa. Nos fala
sobre “os imprevistos da vida”, acontecimentos que fogem do controle humano.
Apesar do título nos lembrar os antigos filmes de faroeste, na verdade o que vemos no conto é a
luta entre o forte e o fraco. Surpresas também aprecem no contexto, nos remetendo
ao fato de que nem tudo na vida acontece como programado. O ambiente do conto é
rural, oeste de Minas Gerais e os personagens são bem delimitados (inclusive com
o uso de apelidos, comuns nas cidades do interior), e caraterizados, de maneira
a tornar a leitura de fácil compreensão. O humor também se faz presente na
narrativa. No conto, Guimarães Rosa
demonstra ser um profundo conhecedor da vida e da alma humana. O enredo se passa no ano de 1937, período em
que começava o êxodo rural, principalmente para os grandes centros do sul do país.
Feitas essas considerações iniciais, vamos ao
enredo da obra, destacando em negrito os nomes dos personagens e em negrito e
itálico pequenos trechos da obra:
Turibio
Todo é um seleiro conhecido no pequeno Arraial de Vista. Alegre, interior de Minas
Gerais. Ele é casado com Dona Silivana,
mulher bonita de olhos grandes e bonitos de cabra tonta. Num daqueles dias
“azarados”, Turíbio resolve ir
pescar, e, depois de pegar o anzol e o material necessário, avisa a mulher que
só vai retornar no dia seguinte, e que vai dormir na casa do primo Lucrécio. Naquele dia de nhaca “o mar não estava pra peixe”, pois: “saíra
cedo para pescar e faltara-lhe à beira do córrego o fumo-de-rolo, tendo em
coice e queda, de sofrer com os mosquitos; dera uma topada num toco,
danificando os artelhos do pé direito; perdeu o anzol grande, engastalhado na
coivara, e, voltando para casa, vinha desconsolado, trazendo apenas dois
timburés no cambão”. Para agravar mais a situação, resolve retornar
para casa no mesmo dia (antes do combinado), sem avisar a esposa. Para sua surpresa “veio encontrá-la em pleno (com
perdão da palavra, mas é verídica a
narrativa), em pleno adultério, no mais doce, dado e descuidado, dos idílios
fraudulentos. Felizmente que os culpados não o pressentiram. Turíbio Todo costumava chegar com um mínimo de
turbulência: ouviu vozes e espiou por uma fisga da porta; a luz da lâmpada lá
dentro o ajudando, viu. Mas não fez nada (se afastou mais macio ainda do que
tinha chegado), e não nada fez porque o outro era o Cassiano Gomes ... 1º pelotão
da 2ª companhia do 5º Batalhão da Infantaria da força pública, (...)_ que não
se apartava de um parabelum ao alcance de mão... Era uma quarta-feira”.
Apesar
de não haver tomado nenhuma iniciativa no momento do “flagrante adultério”,
pois estava desarmado, no dia seguinte Turibio
voltou para casa, fui gentilíssimo com a mulher, mandou pôr ferraduras novas no
cavalo, limpou as armas, proveu de coisas a capanga, falou vagamente numa
caçada de pacas, riu muito, se mexeu muito e foi dormir bem mais cedo do que de
costume.
No
dia seguinte quinta-feira, pela manhã foi à casa do traidor Cassiano Gomes, procurando vingar-se da
traição, tentando preparar uma tocaia. Armado, viu-o à janela, dando costas para a
rua, e disparou. Acontece que o tiro em vez de atingir a vítima desejada, na
verdade fere e mata o seu irmão Levindo
Gomes, acertando-o na nuca. “e correu para onde o cavalo o esperava na
estaca, arreado, almoçado e descansadão”.
Daí
em diante, o conto passa a narrar a perseguição dos dois inimigos – um querendo
matar o outro. Nas andanças pelos lugarejos, ambos trocam de cavalo várias
vezes, na tentativa de encontrar um animal mais veloz, entretanto, durante toda
a caçada, Cassiano e Turibio não
chegam a se cruzar ao menos uma vez, pelos caminhos por eles percorridos.
Em
Mosquito, um pequeno vilarejo, Cassiano
para, precisando de descanso e ali conhece um garoto frágil e franzino,
conhecido pelo apelido de vinte-e-um,
mas cujo nome real é Antonio. O
rapazote ainda tem outro apelido Timpim,,
do qual não gosta. Curioso sobre a origem do apelido Cassiano, indaga:
- Vinte
e um!, Que graça!... mas, que é que é isso, de uma pessoa se chamar vinte e um?.
-
É outro apelido que eles me chamam. É p’ra-mor-de,
que nem a minha mãe teve vinte e um filhos, e eu fui o derradeiro... e por via
disso eles botaram esse nome em mim.
Engraçado
é que quando o rapazote pára próximo de Cassiano, vem acompanhado de um irmão,
com mais proporção física, o qual vem
dando-lhe pancadas, momento em que Cassiano
interfere: - o siô! Chega aqui!. Quem vem é o irmão do Timpim, mas Cassiano o escaramuçou:
-
Sai pra lá diabo” tú é valente demais. Tu é ferrabrás... Sai daqui, que o
baralho ainda não bateu na rua porta (...).
Vinte e um se aproxima e Cassiano pergunta: -
- Porque você ficou quieto e não bateu
nele também?
- Não vê que a minha mãe
sempre falava p’ra eu não levantar a mão
pr’a bater irmão mais velho... E como eles
todos são de mais idade, por isso gostam de dar em mim.
Cassiano demora alguns meses no povoado,
faz amizade com aquele povo simples e pensa encontrar alguém para “fazer o
serviço”, mas todos ali são mui pacatos e sem ação... “não se alembravam de crimes
sangrentos, não tinham mortes nas costas: - O senhor desculpe, mas, não vê que
aqui ninguém não quer se desgraçar...
“O
Timpim, muito ganjento, exibia o seu rebento
e, quando alguém lhe gabava tão formosa prole, ele pedia, ansioso, que acrescentassem:
- Benza-o Deus! – para evitar quebranto”.
Mais adiante do conto, o filho de
vinte e um adoece gravemente e ele pede socorro ao novo amigo Cassiano: - Já mandei buscar receita-de-informação, e,
o resto do cobrinho que o senhor me deu, eu gastei tudo nas meizinhas de botica.(...).
Cassiano de pronto:
-
Pois está aqui o dinheiro. Traz o doutor. Compra os remédios e tudo. Se
precisar, ainda tem mais.
Como Cassiano tinha problemas cardíacos, queria também se consultar com
o médico, ainda pediu que o rapazote trouxesse também o padre, pois queria se
confessar.
Timpim
ficou tão agradecido que chorou muito forte, se ajoelhou aos pés do benfeitor, querendo
pegar-lhe a mão para beijar e proferindo agradecimentos e bênçãos; queria
beijar-lhe os pés, por entre uma montoeira de soluços, ao que Cassiano
retrucou: - “não é nada. Bobagem.... “porque é melhor a gente ser bondoso do que ser
malvado, puxou-o para si, num abraço, dizendo: - Maior paga do que essa não
tem, meu compadre- Vinte- e-um”.
Veio
o médico; veio o padre. Cassiano confessou-se, comungou, recebeu os santos-óleos,
rezou, rezou. Mandava o dinheiro para a mãe?. Não. Mandou vir o Timpim, para nele rever a
boa ação. Conversaram. Depois o moribundo disse:
-Esse dinheiro fica
todo para você, meu compadre Vinte-e-um... Aí tomou uma cara feliz, falou na
mãe, apertou nos dedos a medalhinha de Nossa Senhora das Dores, morreu e foi
para o céu.
Morto
Cassiano, Turíbio Todo que estava no sul do país (São Paulo), soube da noticia
através da mulher Silivânia , que
agora, carinhosa, o invocava para o lar. Turíbio,
Cansava-se a toa. Na parte da tarde inchava as pernas e os pés. Procurou o boticário
que lhe deu vida até o mês de São João. Se piorasse morreria pelo natal. Diante
dessa previsão, decidiu vender tudo que possuía “ele já tinha ganhado uns bons cobres”,
e ir atrás de Turíbio, pois queria
matá-lo, antes de morrer, para vingar-se da morte do seu irmão,
Depois
de comprar mala e vários presentes para a esposa, pôs um lenço no pescoço para
disfarçar o papo, calçou botas vermelhas de ilustre e veio de trem. Para o percorrer
o resto do caminho arranjou um cavalo emprestado, almoçou sem fome, e deu à andadura.
Vinha pelas estradas com pressa, para reencontrar Dona Silivana, a mulher que
tinha os olhos bonitos, sempre grandes, olhos de cobra tonta.
Venceu a primeira légua, com alegria
da liberdade larga – caia uma chuva fina enquanto o sol brilhava no horizonte (era
o casamento da raposa ou de viúva). De repente, Turíbio Todo escuta o tropel de
um galope destemperado que vinha atrás. Era um cavalinho ou uma égua, magro,
pampa e apequenado, com um camarada meio-quilo de gente em cima. Via-se que
tanto o animal quanto o seu cavaleiro estavam em petição de miséria. Mais
adiante os dois se aproximam e iniciam um diálogo. Em determinado momento da
conversa, o desafortunado homem pergunta se aquele senhor era o Turíbio Todo,
seleiro de Vista-Alegre, que estava vindo das estranjas, pelo que recebe de imediato
a confirmação.
A caminhada prossegue e a conversa
também, e, mais adiante Turíbio Todo confessa que está muito alegre por está
retornando a sua terra, para rever sua mulher, enquanto que o “pingo de gente”,
contrariamente : - Qual, ser Turíbio todo... Com perdão da palavra, mas este
mundo é um monte de estrume! Não vale a pena a gente ficar alegre...A gente
vive sofrendo... Todo mundo é só padecer.... Não vale a pena... E depois a
gente tem que morrer mesmo um dia...”.
Subiram um morro e, desceram o morro;
e o caminho entrou num mato fechado, onde tudo era silêncio e sombra. Caia uma
chuvinha fina, quando o um dos cavalos parou:
- Seu Turíbio! Se apeie e reza, que agora eu vou lhe
matar!
- Que é que é?... Tu está louco?
Mas o caguinxo estava sério e pálido, e sua mão
direita segurança uma garrucha velha de dois canos, pararelos, sinistros.
-Se apeie depressa, seu Turíbio!....
O homenzinho declara a Turíbio Todo
que não adianta pedir clemência, pois o que vai fazer não tem outro jeito: “-Prometi
ao meu compadre Cassiano, lá no Mosquito, na horinha mesma d’ele fechar os
olhos..”
Ao ouvir o nome do inimigo Turíbio
ainda tenta se esquivar da morte, oferecendo o dobro do valor dado pelo seu
inimigo, ou ainda tudo que tiver, mas o capiauzinho não aceita nenhuma proposta
e, cumpre a promessa feita ao “compadre Cassiano” na hora dele !”fechar os olhos”.
... O cavalo correu,; o pé do defunto se soltou do
estribo. O corpo prancheou, pronou, e ficou estatelado. Então, o caguinxo
Timpim, Vinte-e-Um fez também o um nome do padre, e abriu os joelhos, esporeando.
E o cavalinho pampa se meteu, de galope, por um trilho entre os itapicurus e os
canudos-de-pito, fundo do estradão".
Este é mais um conto da
obra SAGARANA, que estou lendo atualmente, que recomendo a todos os leitores
deste site. O conto DUELO foi adaptado em 1974 para o cinema, com direção de Paulo Thiago, tendo o ator Joel Barcelos interpretando o personagem
Turíbio Todo, Ítala Nandi, no papel de Mariana
(Silivana), e Milton Moraes, como Cassiano
(um caçador de cangaceiros).
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