quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

MAIS UMA DICA DE LEITURA - AS SANDÁLIAS DO PESCADOR, DE MORRIS WEST




         Como estou em gozo de férias no mês de janeiro, e sempre gosto de aproveitar esses períodos para apreciar uma boa leitura, escolhi esta primeira quinzena para me debruçar sobre o livro “AS SANDÁLIAS DO PESCADOR”, escrito no início dos anos 60, pelo australiano Morris West.

           O romance foi produzido no auge da Guerra Fria, entre os Estados Unidos e União Soviética e narra a trajetória da eleição de um papa. Os bastidores do evento e a vida do líder antes e depois de eleito. Sua solidão e dramas diante das diversas crises religiosas, políticas e sociais do mundo.

         Antes de ler a obra, imaginava que era um grande privilégio, um prazer e realização pessoal, ser escolhido como “substituto de Pedro”, para conduzir o rebanho da igreja em todo o planeta, no entanto, na visão do autor da obra - que conhece profundamente todos os meandros de um evento dessa dimensão, ser escolhido papa, distante de ser um prazer, é um grande fardo, difícil de ser executado em vistas das cobranças exaustivas, tanto pela própria consciência quanto pelos seus muitos auxiliares. Viver 24 horas diante dos holofotes, não é fácil para qualquer pessoa. Mudar de sacerdote de uma cidade ou estado se transformar no próximo usuário do “anel do apóstolo Pedro” não é tarefa fácil e o personagem aqui representado não almejava nem esperava ser o escolhido para essa tão importante missão.

         Apesar de escrito nos anos 60 é um livro bastante atual, ao narrar a história de um bispo do império comunista - Kiril Lakota, que depois de cumprir vários anos de prisão, ao ser liberto se torna cardeal e posteriormente vem a ser eleito o primeiro papa não italiano em mais de 400 anos de história. Alguém lembra que Karol Woityla (João Paulo II) foi leito no ano de 1978, sendo “por coincidência” o primeiro papa não italiano, em mais de 400 anos?. Será que o escritor e jornalista Morris West estava profetizando?

              Kiril Lakota, o papa descrito em “As sandálias do pescador”, em muito se assemelha ao atual argentino, Papa Francisco. Sua simplicidade, mesmo ocupando o maior cargo da igreja, não se esquece que também é um ser humano, necessitado de compreensão, perdão e até carente de confissão com outro sacerdote de cargo inferior ao seu.  “De mente mais aberta” e até considerado “esquerdista’ por alguns segmentos da própria igreja, quando  declara que “Os comunistas pensam como os cristãos”. Ele também não é italiano e assim como o papa do livro, é simpatizante da classe mais pobre e não dado a excesso de vaidade.

         O livro se torna atual também, quando narra os conflitos da época, os perigos e um conflito atômico, nos remetendo, para os recentes acontecimentos envolvendo os Estados Unidos e o Irã.

         Os muitos cargos auxiliares do papado, suas escolhas; o debate envolvendo religião e ciência, as cobranças vindas de todos os continentes e os pedidos de interferência nos conflitos mundiais nos dão uma visão diferenciada daquela de que ser o chefe maior de qualquer instituição só traz em sua escolha os bônus do cargo. Em alguns casos a eleição traz mais ônus do que se espera.      
   
          Uma cena do livro que me chamou muito a atenção, é quando o papa deixa os seus luxuosos aposentos e, semelhante a uma pessoa comum,  se junta a uma senhora para cuidar de um pobre morimbundo que se encontra enfermo.

         O livro narra também o romance do vaticinista americano George Faber que é apaixonado por Chiara, sendo esta casada com Corrado Calitri, que é ministro italiano. Faber deseja se casar com sua amada, mas para que isso aconteça é necessário ingressar com processo de anulação de casamento, cujo trâmite na corte romana é muito moroso, levando o interessado a viver um verdadeiro “purgatório” até ver sua pretensão solucionada, e quando isto ocorre sua amada já está vivendo com outro., fazendo que com o americano entre em desespero.
       
         Mesmo tratando-se de um romance com foco principal na igreja católica apostólica romana, já que diz respeito ao conclave, eleição, posse e vida de um papa, a obra fala na verdade sobre os questionamentos da vida humana.

         Lembro, ainda, que diante do sucesso do livro, a obra foi transformada em filme norte americano, no ano de 1968, com o mesmo título,   dirigido por Michael Anferson, apresentando o veterano Anthony Quinn, no papel do papa Kiril Lakota, Laurence Olivier, como o premiê Ilyich Kamenev, Oskar Werner, interpretando o Padre David Telemond, Lei McKem, como o Cardeal Rinaldi, dentre outros nomes de grande destaque no cinema mundial.  O filme foi indicado ao Oscar por melhor trilha sonora original e melhor direção de arte.

         Transcrevo abaixo algumas frases e estrofes que destaquei, para reflexão do leitor, sendo parte delas, extraída de falas ou discursos do papa ou de seus interlocutores:


“Tudo que a humanidade quer saber é se existe ou não um Deus. Qual é sua relação com Ele, e como pode a Ele regressar, quando se extraviar”.                            
                                                     Página. 30.

“Encontrai-nos homens!. Encontrai-nos bons homens, que compreendam o que é amar a Deus e às suas criaturas!. Encontrai-nos homens com paixão nos corações e asas nos pés!. Enviai-nos esses homens, e nós, por nossa vez, enviá-lo-emos para que levem amor aos sem-amor e esperança aos que vivem na escuridão... Ide, agora, em nome de Deus!.”
                                                   Página 68.    

“Ainda mal começou e eu já me sinto tão deprimido e solitário”
                                                 Pagina 68.

“Serei coroado dentro de dois dias. Trata-se apenas de um pormenor, mas tantas cerimônias incomodam-me. O Senhor chegou a Jerusalém num burro, e eu vou ser levado aos ombros dos nobres entre as plumas de um imperador romano. O mundo está cheio de homens descalços e de barrigas vazias. Eu vou ser coroado de ouro, e o meu triunfo será iluminado por um milhão de velas. Tenho vergonha de que o sucessor do Carpinteiro seja tratado como um rei. Seria meu desejo alterar a cerimônia”. 
                                              Página 72.

“Não posso, contudo, ignorar quanto são estanhos os caminhos de Deus, na alma dos mais diversos homens”... “Vejo, embora vagamente, que os nossos destinos talvez estejam unidos nos desígnios de Deus”
                                               Página 82

- “Todos nós vivemos numa prisão, desta ou daquela forma.
-  Tem razão... E são o que o compreendem que mais sofrem”.
                                                 Página 106

“Viver a vida é suficientemente duro. Revivê-la, recuando a cada passo através dos símbolos, da fantasia e da memória, é brutal”.     
                                                  Página 109

“Quanto mais longa a viagem, mais duro é o caminho, porque cada passo nos aproxima do momento da revelação onde somos forçados, de uma vez para sempre, a encarar aquilo de que vínhamos fugindo. Tentamos escapar várias vezes, ou voltar atrás, mas somos sempre forçados a seguir em frente.”.
                                                 Página 109

“A alma humana depara-se com barreiras que é forçada a atravessar, e nem sempre as pode transpor por um só salto. O importante é a direção que a alma toma. Se vai sempre para a frente, então terá de alcançar Deus, mas, se recuar, é o mesmo que se suicidasse, pois sem Deus, nada somos”.
                                              Página 134

“Havia política dentro da igreja, tal qual como fora dela. Havia mentalidades curiosas e outras relutantes. Havia tradicionalistas cegos e inovadores excessivamente ansiosos. Havia homens que sacrificavam a antiga ordem ao crescimento, e outros que procuravam tão audaciosamente as mudanças, que acabavam por atrasar a igreja de vários séculos (...) Havia administradores e apóstolos”.
                                               Página 158

“A vida cotidiana de cada homem é uma série de pequenas rebeliões contra o medo da morte, ou de vitórias esporádicas na esperança do impossível”.
                                             Página 174

“O impulso de sobrevivência adquiriu diversas formas: a delicia do poder, que dá ao homem a ilusão da imortalidade; o receio da oposição que pudesse limitar essa ilusão; o desejo de amizade para acalentar o frágil corpo ou o espirito hesitante”.
                                             Página 174

“Nenhum homem permanece imutável após a experiência do poder. Alguns são pervertidos ao ponto da tirania. Outros, pela corrupção da lisonja e da auto-indulgência”.
                                           Página 228

“Quando todas as portas estão fechadas, arames farpados levantados por toda a parte e construídos muros cada vez mais altos e impenetráveis, então cada nação se transformará numa ilha, preparando em segredo a destruição do mundo”.
                                      Página 243

“Os bons frequentam o confessionário e os maus não aparecem...”
                                         Página 245

“Para muitas pessoas, a roda da vida gira apenas em torno do seu eixo, parecendo não avançar para lugar algum”.
                                      Página 285

Mil velas em São Pedro nada significa, ao lado de um pobre grato a Deus, por estar agradecido pelo calor de um dos seus semelhantes”.
                                        Página 314

FICHA TÉCNICA DO LIVRO ORA COMENTADO:

Título do livro: AS SANDÁLIAS DO PESCADOR
Editora: Abril cultural – 1ª Edição – fevereiro de 1975
Coleção: Clássicos Modernos – 27.
Autor: Morris West
Tradução:  Fernando de Castro Ferro
Ano de lançamento: 1975
Número de páginas 395




ABAIXO FOTO DO JORNALISTA E ESCRITOR MORRIS WEST, CARTAZ E CENAS DO FILME, TODAS EXTRAÍDAS PELA INTERNET
 






Nenhum comentário:

Postar um comentário