Como estou em gozo de férias
no mês de janeiro, e sempre gosto de aproveitar esses períodos para apreciar
uma boa leitura, escolhi esta primeira quinzena para me debruçar sobre o livro “AS
SANDÁLIAS DO PESCADOR”, escrito no início dos anos 60, pelo australiano Morris West.
O romance foi produzido no
auge da Guerra Fria, entre os Estados Unidos e União Soviética e narra a
trajetória da eleição de um papa. Os bastidores do evento e a vida do líder
antes e depois de eleito. Sua solidão e dramas diante das diversas crises religiosas,
políticas e sociais do mundo.
Antes de ler a obra, imaginava que
era um grande privilégio, um prazer e realização pessoal, ser escolhido como
“substituto de Pedro”, para conduzir o rebanho da igreja em todo o planeta, no entanto,
na visão do autor da obra - que conhece profundamente todos os meandros de um
evento dessa dimensão, ser escolhido papa, distante de ser um prazer, é um
grande fardo, difícil de ser executado em vistas das cobranças exaustivas, tanto pela própria
consciência quanto pelos seus muitos auxiliares. Viver 24 horas diante dos holofotes, não
é fácil para qualquer pessoa. Mudar de sacerdote de uma cidade ou estado se transformar no próximo usuário do “anel do apóstolo Pedro” não é tarefa
fácil e o personagem aqui representado não almejava nem esperava ser o escolhido para essa tão importante missão.
Apesar de escrito nos anos 60 é um livro
bastante atual, ao narrar a história de um bispo do império comunista - Kiril
Lakota, que depois de cumprir vários anos de prisão, ao ser liberto se torna cardeal
e posteriormente vem a ser eleito o primeiro papa não italiano em mais de 400
anos de história. Alguém lembra que Karol Woityla (João Paulo II) foi leito no
ano de 1978, sendo “por coincidência” o primeiro papa não italiano, em mais de
400 anos?. Será que o escritor e jornalista Morris West estava profetizando?
Kiril Lakota, o papa descrito em “As
sandálias do pescador”, em muito se assemelha ao atual argentino, Papa Francisco.
Sua simplicidade, mesmo ocupando o maior cargo da igreja, não se esquece
que também é um ser humano, necessitado de compreensão, perdão e até carente de
confissão com outro sacerdote de cargo inferior ao seu. “De mente mais aberta” e até considerado “esquerdista’ por
alguns segmentos da própria igreja, quando declara que “Os comunistas
pensam como os cristãos”. Ele também não é italiano e assim como o papa do
livro, é simpatizante da classe mais pobre e não dado a excesso de vaidade.
O livro se torna atual também, quando
narra os conflitos da época, os perigos e um conflito atômico, nos remetendo, para
os recentes acontecimentos envolvendo os Estados Unidos e o Irã.
Os muitos cargos auxiliares do papado,
suas escolhas; o debate envolvendo religião e ciência, as cobranças vindas de
todos os continentes e os pedidos de interferência nos conflitos mundiais nos
dão uma visão diferenciada daquela de que ser o chefe maior de qualquer instituição
só traz em sua escolha os bônus do cargo. Em alguns casos a eleição traz mais
ônus do que se espera.
Uma cena
do livro que me chamou muito a atenção, é quando o papa deixa os seus luxuosos
aposentos e, semelhante a uma pessoa comum, se junta a uma senhora para cuidar de um pobre morimbundo que se encontra enfermo.
O livro narra também o romance do
vaticinista americano George Faber que é apaixonado por Chiara, sendo esta
casada com Corrado Calitri, que é ministro italiano. Faber deseja se casar com
sua amada, mas para que isso aconteça é necessário ingressar com processo de anulação
de casamento, cujo trâmite na corte romana é muito moroso, levando o interessado
a viver um verdadeiro “purgatório” até ver sua pretensão solucionada, e quando
isto ocorre sua amada já está vivendo com outro., fazendo que com o americano entre
em desespero.
Mesmo tratando-se de um romance com foco
principal na igreja católica apostólica romana, já que diz respeito ao conclave,
eleição, posse e vida de um papa, a obra fala na verdade sobre os questionamentos
da vida humana.
Lembro, ainda, que diante do sucesso do
livro, a obra foi transformada em filme norte americano, no ano de 1968, com o
mesmo título, dirigido por Michael Anferson, apresentando o
veterano Anthony Quinn, no papel do papa Kiril Lakota, Laurence Olivier, como o
premiê Ilyich Kamenev, Oskar Werner, interpretando o Padre David Telemond, Lei McKem,
como o Cardeal Rinaldi, dentre outros nomes de grande destaque no cinema mundial.
O filme foi indicado ao Oscar por melhor
trilha sonora original e melhor direção de arte.
Transcrevo abaixo algumas frases e
estrofes que destaquei, para reflexão do leitor, sendo parte delas, extraída de falas
ou discursos do papa ou de seus interlocutores:
“Tudo que a humanidade quer saber é se existe
ou não um Deus. Qual é sua relação com Ele, e como pode a Ele regressar, quando
se extraviar”.
Página. 30.
“Encontrai-nos homens!.
Encontrai-nos bons homens, que compreendam o que é amar a Deus e às suas
criaturas!. Encontrai-nos homens com paixão nos corações e asas nos pés!.
Enviai-nos esses homens, e nós, por nossa vez, enviá-lo-emos para que levem amor
aos sem-amor e esperança aos que vivem na escuridão... Ide, agora, em nome de
Deus!.”
Página 68.
“Ainda mal começou e eu já me sinto tão
deprimido e solitário”
Pagina
68.
“Serei coroado dentro
de dois dias. Trata-se apenas de um pormenor, mas tantas cerimônias incomodam-me.
O Senhor chegou a Jerusalém num burro, e eu vou ser levado aos ombros dos
nobres entre as plumas de um imperador romano. O mundo está cheio de homens
descalços e de barrigas vazias. Eu vou ser coroado de ouro, e o meu triunfo será
iluminado por um milhão de velas. Tenho vergonha de que o sucessor do Carpinteiro
seja tratado como um rei. Seria meu desejo alterar a cerimônia”.
Página
72.
“Não posso, contudo, ignorar quanto são estanhos
os caminhos de Deus, na alma dos mais diversos homens”... “Vejo, embora
vagamente, que os nossos destinos talvez estejam unidos nos desígnios de Deus”
Página
82
- “Todos nós vivemos
numa prisão, desta ou daquela forma.
- Tem razão... E são o que o compreendem que mais
sofrem”.
Página 106
“Viver a vida é suficientemente
duro. Revivê-la, recuando a cada passo através dos símbolos, da fantasia e da memória,
é brutal”.
Página 109
“Quanto mais longa a
viagem, mais duro é o caminho, porque cada passo nos aproxima do momento da revelação
onde somos forçados, de uma vez para sempre, a encarar aquilo de que vínhamos
fugindo. Tentamos escapar várias vezes, ou voltar atrás, mas somos sempre forçados
a seguir em frente.”.
Página 109
“A alma humana depara-se com barreiras que
é forçada a atravessar, e nem sempre as pode transpor por um só salto. O
importante é a direção que a alma toma. Se vai sempre para a frente, então terá
de alcançar Deus, mas, se recuar, é o mesmo que se suicidasse, pois sem Deus, nada
somos”.
Página 134
“Havia política dentro da igreja, tal
qual como fora dela. Havia mentalidades curiosas e outras relutantes. Havia tradicionalistas
cegos e inovadores excessivamente ansiosos. Havia homens que sacrificavam a antiga
ordem ao crescimento, e outros que procuravam tão audaciosamente as mudanças,
que acabavam por atrasar a igreja de vários séculos (...) Havia administradores
e apóstolos”.
Página 158
“A vida cotidiana de cada homem é uma série
de pequenas rebeliões contra o medo da morte, ou de vitórias esporádicas na
esperança do impossível”.
Página
174
“O impulso de sobrevivência adquiriu
diversas formas: a delicia do poder, que dá ao homem a ilusão da imortalidade;
o receio da oposição que pudesse limitar essa ilusão; o desejo de amizade para
acalentar o frágil corpo ou o espirito hesitante”.
Página 174
“Nenhum homem permanece
imutável após a experiência do poder. Alguns são pervertidos ao ponto da
tirania. Outros, pela corrupção da lisonja e da auto-indulgência”.
Página 228
“Quando todas as portas estão fechadas,
arames farpados levantados por toda a parte e construídos muros cada vez mais
altos e impenetráveis, então cada nação se transformará numa ilha, preparando
em segredo a destruição do mundo”.
Página 243
“Os bons frequentam o confessionário e os
maus não aparecem...”
Página
245
“Para muitas pessoas, a roda da vida gira
apenas em torno do seu eixo, parecendo não avançar para lugar algum”.
Página 285
“Mil
velas em São Pedro nada significa, ao lado de um pobre grato a Deus, por estar
agradecido pelo calor de um dos seus semelhantes”.
Página
314
FICHA
TÉCNICA DO LIVRO ORA COMENTADO:
Título do livro: AS
SANDÁLIAS DO PESCADOR
Editora: Abril cultural
– 1ª Edição – fevereiro de 1975
Coleção: Clássicos
Modernos – 27.
Autor: Morris West
Tradução: Fernando de Castro Ferro
Ano de lançamento: 1975
Número de páginas 395
ABAIXO FOTO DO JORNALISTA E ESCRITOR MORRIS WEST, CARTAZ E CENAS DO FILME, TODAS EXTRAÍDAS PELA INTERNET
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