Nesta manhã publico mais um poema do amigo ERALDO GALINDO, "A indiferença de deus". Ao ler o poema o leitor vai identificar o motivo do "d" minúsculo.
Agradeço ao dileto amigo pela autorização para divulgar seu excelente trabalho.
Homens
reviram latas de lixo
onde
ziguezagueiam moscas, ratos e baratas
entre
odores de putrefação.
Homens e
crianças,
em
sintonia de gestos com mulheres esquálidas,
negras,
índias,
quase
brancas,
sem cor:
todos
invisíveis.
Cães,
urubus e gente disputam no mesmo espaço
o pão
mofado de cada dia.
Seus
olhos fatigados contemplam o vazio:
vazio
das coisas,
das
horas,
da vida.
Pessoas
miram o nada,
são
formigas que trabalham sem razão,
vivem
sem propósito
num
mundo que perdeu o encanto,
engolido
pela engrenagem do capital sem pátria,
sem
sentimentos,
predatório
como um deus vingador.
Fugimos
dos seus olhos misturados de cólera
e surda
resignação. Olhos que acusam
silenciosamente
nossa indiferença
e venal
identidade de classe,
superior
classe que se olha no espelho
e se
deslumbra com a própria imagem.
Irmãos
não somos,
pois o
deus que, de todos, pai seria,
está
escondido nas igrejas,
impotente
nas palavras ornamentais dos pastores.
Deus
refugiado nas toscas bíblias dos crentes
que aos
céus oram, indiferentes aos dramas da terra.
Deus
complacente dos lares limpos,
das
mesas fartas,
das
doutrinas rígidas,
da moral
ilibada dos eleitos.
Deus
emudecido perante as aflições dos párias.
Deus dos
rituais mágicos,
dos
incensos,
louvores
e curas.
Deus do
marketing dos padres cantores,
quase
padres, cristãos de mídias.
Deus dos
cultos alegres,
das
coreografias dançantes,
dos sons
estridentes.
Deus
surdo aos clamores dos subterrâneos,
das
sarjetas,
dos
escombros da cidade triste.
Deus da
obediência cega,
da
paralisia covarde,
do
silêncio cúmplice.
Deus dos
altares e códigos legais,
escandalizado
com os corpos nus da miséria.
Deus
onipotente, nada altera na ordem histórica;
onisciente,
cego à dor humana;
onipresente,
permite o vazio no coração do mundo.
O mundo
erguido pelos religiosos reluz
no ouro
dos templos e palácios,
não
reluz nos homens e mulheres,
de si
perdidos.
“Deus
está morto!”, esbraveja o filósofo;
quem
haverá de negar-lhe razão?
Que deus
está morto?, esbraveja minha alma.
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Eraldo
Galindo. 2020, janeiro, 18, Arcoverde/PE.
P.S. Imagens extraídas da internet.
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