sábado, 7 de março de 2020

A indiferença de deus, por ERALDO GALINDO


        Nesta manhã  publico mais um poema do amigo ERALDO GALINDO, "A indiferença de deus". Ao ler o poema o leitor vai identificar o motivo do "d" minúsculo. 

        Agradeço ao dileto amigo pela autorização para divulgar seu excelente trabalho. 



                                     A indiferença de deus


Homens reviram latas de lixo
onde ziguezagueiam moscas, ratos e baratas
entre odores de putrefação.
Homens e crianças,
em sintonia de gestos com mulheres esquálidas,
negras,
índias,
quase brancas,
sem cor:
todos invisíveis.
Cães, urubus e gente disputam no mesmo espaço
o pão mofado de cada dia.
Seus olhos fatigados contemplam o vazio:
vazio das coisas,
das horas,
da vida.
Pessoas miram o nada,
são formigas que trabalham sem razão,
vivem sem propósito
num mundo que perdeu o encanto,
engolido pela engrenagem do capital sem pátria,
sem sentimentos,
predatório como um deus vingador.
Fugimos dos seus olhos misturados de cólera
e surda resignação. Olhos que acusam
silenciosamente nossa indiferença
e venal identidade de classe,
superior classe que se olha no espelho
e se deslumbra com a própria imagem.
Irmãos não somos,
pois o deus que, de todos, pai seria,
está escondido nas igrejas,
impotente nas palavras ornamentais dos pastores.
Deus refugiado nas toscas bíblias dos crentes
que aos céus oram, indiferentes aos dramas da terra.
Deus complacente dos lares limpos,
das mesas fartas,
das doutrinas rígidas,
da moral ilibada dos eleitos.
Deus emudecido perante as aflições dos párias.
Deus dos rituais mágicos,
dos incensos,
louvores
e curas.
Deus do marketing dos padres cantores,
quase padres, cristãos de mídias.
Deus dos cultos alegres,
das coreografias dançantes,
dos sons estridentes.
Deus surdo aos clamores dos subterrâneos,
das sarjetas,
dos escombros da cidade triste.
Deus da obediência cega,
da paralisia covarde,
do silêncio cúmplice.
Deus dos altares e códigos legais,
escandalizado com os corpos nus da miséria.
Deus onipotente, nada altera na ordem histórica;
onisciente, cego à dor humana;
onipresente, permite o vazio no coração do mundo.
O mundo erguido pelos religiosos reluz
no ouro dos templos e palácios,
não reluz nos homens e mulheres,
de si perdidos.
“Deus está morto!”, esbraveja o filósofo;
quem haverá de negar-lhe razão?
Que deus está morto?, esbraveja minha alma.
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Eraldo Galindo. 2020, janeiro, 18, Arcoverde/PE.



P.S. Imagens extraídas da internet. 

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