domingo, 5 de maio de 2019

MEUS DOIS DIAS COM CLARICE



          Escolhi os dias de ontem e hoje para ler o livro A HORA DA ESTRELA, da escritora Ucraniana, naturalizada brasileira, CLARICE LISPECTOR. Pra mim, o primeiro contato com a sua obra, sendo esse livro o último de sua lavra.

          Conhecendo muito pouco sobre a escritora, só pequenos textos para trabalhos escolares ou em faculdades, confesso que de início estranhei a leitura. Um pouco confusa. Não conseguia concatenar as ideias. Logo no início da obra, o seu título vem um pouco de estranheza, quando percebemos que possui quatorze títulos, que de início pensava ser o índice. Só depois entendi que na verdade foram  várias opções que a escritora teve para “batizar” seu filho. Eis algumas delas: A culpa é minha, A Hora da Estrela (que foi o escolhido), Ela que se arranje, O direito ao grito, Quanto ao futuro, Lamento de um blue, dentre outros. Inclusive um desses títulos foi o próprio nome da escritora “Clarice Lispector”. 

            Sendo esta a primeira obra que li desta autora, com certeza procurarei ler outras, dessa ucraniana por nascimento e pernambucana de coração, segundo ela mesma declarava.

            Logo na dedicatória, percebe-se algo incomum em relação a outras obras e autores:

             Pois que dedico esta coisa aí ao antigo Schumann e sua doce Clara que são hoje ossos, ai de nós. Dedico-me à cor rubra muito escarlate como o meu sangue de homem em plena idade e portanto dedico-me a meu sangue. Dedico-me sobretudo aos gnomos, anões, sílfides e ninfas que me habitam a vida. Dedico-me à saudade de minha antiga pobreza, quando tudo era mais sóbrio e digno e eu nunca havia comido lagosta. Dedico-me à tempestade de Beethoven. À vibração das dores neutras de Bach. A Chopin que me amolece os ossos...”

            “A Hora da Estrela” foi o último romance de Clarice Lispector, que só teve uma edição em vida da autora, a de 1977. Na obra, o escritor Rodrigo S. M. (a própria Clarice) conta a história de Macabéa, uma jovem alagoana, que é levada para o Rio de Janeiro. Sua solidão, seus questionamentos sobre o viver, sua angústia e sua luta pela sobrevivência.  

            Solteira,  solitária, pobre e órfã de pai e mãe desde os 02 anos de idade, Macabéa é criada por uma tia que a leva para o Rio de Janeiro, onde consegue um emprego como datilógrafa. Magra, feia, tímida, alienada, e de poucas falas, consegue namorar um rapaz nordestino ambicioso – Jesus Moreira, que é um metalúrgico. Entretanto, ela “perde” esse namorado justamente para uma de suas melhores amigas, a Glória, que, além de ser mais bonita que ela,  usa de esperteza para atrair o Moreira.     Em dado momento do enredo, o patrão decide despedir Macabéa, mas é tomado por compaixão e decide pela sua permanência no trabalho.
         
            Morando numa humilde pensão com três amigas, que são balconistas, com quem divide as despesas, nossa personagem leva uma vida quase vegetativa. Em tudo se sente na obrigação de pedir desculpas, perdão, sempre se sentindo a culpada, a errada por tudo que acontece.
  
         Na parte final do enredo, sua amiga Glória, por remorso, lhe indica uma cartoamente para que ela faça consulta, inclusive lhe declara que foi essa médium quem lhe declarou que Olimpico, o ex-namorado de Macabéa agora era dela Glória e que suas previsões nunca davam errado. Mesmo desconfiada, Macabéa vai procurar a cartoamente, que a tratando como se fosse uma criancinha mimada: “meu benzinho, minha santinha, coisinha engraçadinha”... “Finalmente, depois de lamber os dedos, Madame Carlota mandou-a cortar as cartas com a mão esquerda e ouviu: -minha adoradinha?. Macabéa separou um monte com a mão trêmula. Pela primeira vez ia ter um destino...-Macabéa! Tenho grandes notícias para lhe dar. Preste atenção minha flor....”

            E seguiu prevendo que a vida da jovem ia mudar assim que saísse daquela casa. -Você vai se sentir outra. Até seu namorado vai voltar e propor casamento ... Seu chefe vai lhe avisar que pensou melhor e não vai mais lhe despedir... E tem mais! Um dinheiro grande vai lhe entrar pela porta adentro em horas da noite trazido por um homem estrangeiro. Você conhece algum estrangeiro? – Não senhora, disse Macabéa, já desanimando. - Mas vai conhecer. Ele é alourado e tem olhos azuis ou verdes ou castanhos ou pretos. E se não fosse porque você gosta de e ex-anamorado, esse gringo ia namorar você..”

            A trama termina com Macabea saindo da casa da Madame Carlota e ... “a cartoamante lhe decretara sentença de vida”, mas, ao dar o primeiro passo de descida da calçada para atravessar a rua, o Destino, sussurrou veloz e guloso: é agora, e já, chegou a minha vez! E, enorme com um transatlântico o Mercedes amarelo pegou-a. Macabea vem a óbito e o livro termina com a seguinte estrofe do autor (na verdade da autora):

            E agora -  agora só me resta acender um cigarro e ir para casa. Meu Deus, só agora me lembrei que a gente morre. Mas – eu também?. Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos. Sim.

            Clarice escreveu essa obra, consciente de que estava prestes a sua morte e como podemos perceber tem muito de si no enredo. Solidão, tristeza e angústia estão presentes em toda a o trama.  

            O estilo usado é o narrativo, sendo que o escritor fictício Rodrigo S.M (na verdade, a própria Clarice) é o narrador. Na dedicatória, numa forma de mostrar-se humilde com a sua própria obra, assim se expressa: “Pois que dedico essa coisa aí”, como se a obra não fosse tão importante  para a nossa literatura, embora tivesse consciência de seu real valor, entretanto, por humnildade não e declarava tão importante. 

            A história se passa no Rio de Janeiro e o período histórico, subtende-se que foi em meados dos anos sessenta para o início da década de setenta.

Sobre a autora:

CLARICE LISPECTOR, foi uma escritora e jornalistas ucraniana naturalizada brasileira e se declarava pernambucana. Autora de romances, contos e ensaios. É considerada uma das escritoras brasileiras mais importantes do século XX e a maior escritora judia desde Franz Kafka.  Nasceu em 10 de dezembro de 1920 (Chechelnyk – Ucrânia) e faleceu em 09 de dezembro de 1977 – véspera do seu aniversário. (Rio de Janeiro-RJ). 

Algumas de suas obras:

Perto do coração selvagem (1942)
A Cidade Sitiada (1949)
Laços de Família (1960)
A Legião Estrangeira (1964)
A Paixão Segundo G. H (1964)
O Mistério do Coelho Pensante (1967)
A Mulher que Matou os Peixes (1968)
Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres (1969)
Felicidade Clandestina (1971)
Água Viva (1973)
A Imitação da Rosa (1973)
Via Crucis do Corpo (1974)
Onde Estivestes de Noite? (1974)
Visão do Esplendor (1975)
A Hora da Estrela (1977)

No link abaixo, a última entrevista de Clarice Lispector

https://www.youtube.com/watch?v=U9ca-fYpbsc 

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