Recentemente conclui um curso à distância, de literatura, e me chamou
muito a atenção um texto escrito no período conhecido como Barroco (final do século
XVI e meados do século XVII). Esse período trouxe uma nova forma de
entender o mundo, Deus e o homem. De quebra, introduziu a arte dos confrontos,
dos contrastes. De um lado os valores medievais, de outro os valores humanistas
e materialistas que traziam luzes e entendimento para o homem. Como conciliar ou
compreender a fé e a razão; o céu e a terra; o céu e o inferno; Deus e o Diabo;
o espírito e a matéria?. Nesse dilema, o Barroco, é portanto, a arte dos
opostos, do dualismo, dos contrates.
Foi justamente nesse período que ocorreram
dois eventos de amplas repercussões políticas e sociais no mundo: a Reforma Protestante
e a reação da Igreja Católica, conhecida como contra-reforma. Sem querer ir
mais além sobre esse período histórico e literário, quero ir direto ao que
me levou a escrever essa matéria.
Trata-se do trecho de um sermão do Padre Antônio
Vieira (1608-1697), que mesmo havendo sido escrito há mais de três séculos,
continua atual. Parece que a tinta da pena ainda cheira por tão atual sua
verdade, levando em consideração os recentes capítulos da novela “OS
MENSALEIROS”. O texto que destaco é do “Sermão do bom ladrão”, do qual
extraio a seguinte passagem:
“Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a
conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata que por ali
andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre por andar em tão
mau ofício; porém, ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta,
senhor, que eu por que roubo em uma barca sou ladrão, e vós porque roubais em
uma armada sois imperador?. Assim é. O roubar pouco é culpa. O roubar muito é
grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, com muito os Alexandres”. Mas, Sêneca,
que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e
outros, definiu com o mesmo nome: “Se o rei de
Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que fez o ladrão e o pirata; o ladrão, o
pirata e o rei, todos tem o mesmo lugar; e merecem o mesmo nome”.
Mais adiante, o sermão prossegue:
“...O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao inferno; os que não
só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais
alta esfera, os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento
distingue muito bem S. Basílio Magno: Não são só
ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsa ou espreitam os que se vão banhar para
lhes correr a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este
título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo
das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com já com manha,
já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam
um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco,
estes sem temor, nem perigo: os outros,
se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam..”
Faça o leitor a sua análise. Na política brasileira, esse trecho barroco
é ou não atualizadíssimo?
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