Na condição de leitor assíduo do Jornal de Arcoverde, há mais de vinte anos, quero fazer destaque nesta tarde sobre uma matéria publicada na Edição do mês de maio/2019, de autoria do professor e amigo Eraldo Galindo. A matéria tem como título "Sobre a juventude e a velhice" e nela, o filósofo e professor faz uma análise, breve, porém profunda sobre a vida humana, com foco nesses dois períodos tão fortes e marcantes do ser humano.
Como já vivi os períodos da infância e da juventude, assim como o da maturidade, e agora estou a poucos "quilômetros" da outra fase referida pelo escritor, a velhice, o texto caiu em cheio em minha vida e por isso fiz questão de publicá-lo neste site.
De logo, agradeço, ao Jornal de Arcoverde, pela publicação nas páginas do mensário, que já conta de mais de 30 anos de história,e, de um modo especial ao dileto amigo, o querido professor Eraldo Galindo, pela autorização para republibicar sua matéria, agora neste site.Destaco ainda que as fotos ilustrativas acima foram extraídas da internet.
SOBRE JUVENTUDE E VELHICE
(Eraldo Galindo, Filósofo e escritor)
Num
lugar qualquer, em data imprecisa, um jovem e um velho conversam sobre o
sentido da vida. Para o jovem, a vida se desenha multicolorida, cheia de
promessas e oportunidades; para o velho, o tempo se encolhe, a estrada da vida se revela sinuosa, imprecisa,
crepuscular. O jovem é o sol da manhã que desponta, afrontando a escuridão da
noite vencida; o velho, é o entardecer que se avulta no horizonte, prenunciando
a noite inevitável.
O
jovem, cantarola, rodopia, louva sua mocidade plena de energias e impulsos
indomáveis, céleres, contagiantes. Nele repousa a confiança em todas as coisas,
a firmeza dos ideais, os propósitos supostamente definitivos, a clareza dos
sonhos, as certezas da existência. Na sua idade há um evidente símbolo de força e poder, que gera
sentimentos próximos à soberba e vaidade (pecados juvenis compreensíveis e
desculpáveis). Para ele, o mundo é um caminho longo e reto, quase interminável,
onde o passar dos dias trará sorte, realizações, iluminações. Sua consciência
funcionar a partir de uma ideia-chave: tudo evolui, se aperfeiçoa. O tempo da
juventude favorece o sentimento de otimismo a respeito do processo da vida.
Tudo reluz. A vida parece imortal. No jovem, tudo é pulsação, busca,
curiosidade, flama. Sentimento de potência inesgotável.
O
velho reclama das dores físicas que o tempo – o feroz e implacável - lhe impõe. Desconfiado de tudo que o cerca,
curte medos e angústias pela finitude que percebe ser a marca de tudo que
existe no mundo. Seus desejos se prendem a miudezas do cotidiano: alívio das
tensões, equilíbrio emocional, certo grau de conforto material, sono mais
tranquilo. Seus sonhos se apequenam à
medida que os dias que lhe restam parecem cada vez mais curtos, não obstante a
monotonia e o cansaço das horas. Sensação de força e de poder não passa de
recordações de um passado longínquo – vivências de um tempo que se
traduzia como autora, raiz e começo das
coisas. O velho abandonou as certezas da juventude; os ideais já não incendeiam
seu coração. O tempo se torna breve; viver
com brandura os momentos de cada dia impõe-se como meta da existência que se
arrasta vagarosamente. No velho, há apenas restos de uma vitalidade quase
esgotada. Corta-lhe as pulsações humanas básicas a navalha das horas. Sua consciência funciona
a partir de uma ideia - chave: tudo é
fugaz, as coisas se desfazem, voltam ao pó original. No lugar dos sons
contagiantes da novidade, resta ao silêncio, a solidão das noites, o crepúsculo
dos dias.
Num
encontro fortuito, ambos conversam sobre a vida e o significado das coisas.
Dois pontos de vista extremos, calcados nas idades contrastantes. O jovem fala
de seus planos e sonhos, atropelando as palavras. Os velhos são consistentes
como a rocha, os adjetivos, grandiloquentes. Na fome de viver tudo que a vida
parece ofertar., ele salta de um objetivo para outro como quem troca de camisa.
Quer abraçar o mundo, coisa que exige velocidade, energia, capacidade criativa,
atitude pragmática e uma gigantesca dose de ambição. Um lema se impõe, não deixando qualquer margem
à dúvida: “Querer é poder”. No jovem, sonhar é voar, escalar montanhas, dominar
exércitos, conquistar castelos, atingir o cume do Everest.
O
velho, compenetrado no passar das horas, despojado da urgência do viver, falar
de seus limites físicos, de dores emocionais, de medos existenciais, das
restrições da mente na dura tarefa da compreensão das coisas da vida. Como não
poder abraçar o mundo, quer selecionar cuidadosamente as experiências que ainda
são passíveis de vivenciar. Em face da
diminuição de sua energia física, anda lentamente, observa cada coisa em sua
particularidade. A conquista de cada dia que nasce lhe parece uma vitória sobre
o tempo da existência. Querer, já não é, necessariamente, poder. O querer é,
por vezes, apenas devaneio de uma mente que insiste em não aceitar a derrota
(inexorável) dos sonhos. Já não pode escalar o Everest; resta-lhe o batente da
casa. O romantismo deu lugar a uma visão realista das coisas: a fugacidade é a
marca essencial da vida humana na terra.
Ao
fim da tarde, velho e jovem se despedem. Entre eles há uma grande distância de
estilos de vida: um tem pressa em conquistar o mundo; o outro se sente um grão
pequenino frente à imensidão cósmica. Um corre em busca das cores e sons da
vida; o ouro busca a serenidade das horas e a proximidade do silêncio. Um é a
paixão ardente; o outro a contemplação das coisas que ora existem, ora se
desfazem.
No
velho há resquícios de uma juventude feitas de sonhos; no jovem, sem que ele se
dê conta, germina a velhice, sutil, futura, mas inescapável.
Encerramos
esta crônica dando voz ao poeta romano Ovídio. No poema “Metarmofoses”, ele
compara as fases da vida humana com as estações do ano. A primavera é a
infância: nessa fase “tudo floresce, o fértil campo resplandece com o colorido
das flores, mas ainda falta vigor à folhas”. A juventude é o verão, “quadra mais forte e
vigorosa que é a robusta mocidade, fecunda e ardente”. A maturidade,
“o meio termo entre o jovem e velho”, assemelha-se ao outono. Por fim, o
inverno: “o velho trôpego, cujos cabelos caíram como as folhas das árvores ou
embranqueceram como a neves dos caminhos”.
Matéria publicada no Jornal de
Arcoverde, Edição de maio de 2019
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